EUA. Democratas falam em “prova cabal” e Trump em “caça às bruxas”

Trump tornou pública uma transcrição da sua conversa com Presidente ucraniano, que pode muito bem levar a que seja aprovada a sua destituição na Câmara dos Representantes. 

O “favor” que o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pediu ao seu homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky, pode muito bem resultar no seu impeachment na Câmara dos Representantes. Uma semana depois de congelar cerca de 391 milhões de dólares (mais de 355 milhões de euros) em ajuda militar à Ucrânia, Trump pediu a Zelensky que investigasse o filho de um dos seus adversários eleitorais, Joe Biden, por alegada corrupção, lê-se na transcrição da chamada – revelada pela Casa Branca após os democratas iniciarem uma investigação para a destituição. “A mais destrutiva caça às bruxas de todos os tempos”, acusou Trump no Twitter.

A conversa entre os dois chefes de Estado começou com as habituais cortesias – com algumas queixas de Trump. “Os Estados Unidos têm sido muito bons para a Ucrânia. Não diria que é necessariamente recíproco, porque estão a acontecer coisas que não são boas”, mencionou. Já o Presidente ucraniano respondeu estar muito grato aos EUA, em particular pelo grande apoio na área da Defesa – que tinha sido congelado.

Zelensky acabara de pedir para comprar mais uma remessa de mísseis antitanque quando Trump respondeu: “No entanto, gostava de lhe pedir um favor. Gostaria que averiguasse o que se passou com toda esta situação com a Ucrânia”. Referia-se à origem da acusação que a Rússia teria influenciado as eleições norte-americanas em 2016, mas também a alegações de corrupção contra Hunt Biden (ver página 4)

“Fala-se muito do filho do Biden [Hunt], que o Biden travou a investigação. Há muita gente que quer averiguar, por isso tudo o que puder fazer para ajudar o procurador-geral [William Barr] seria ótimo. Biden andou a vangloriar-se que travou a investigação, por isso seria óptimo que pudesse investigar… parece-me horrível”, disse Trump ao Presidente ucraniano – que se prontificou a auxiliar. O Presidente dos EUA ainda ofereceu os serviços do procurador-geral norte-americano, bem como do seu advogado pessoal, o ex-presidente da Câmara de Nova Iorque, Rudy Giuliani.

“A transcrição lê-se como uma clássica extorsão pela máfia. ‘Fazemos muito pela Ucrânia, não há muita reciprocidade – tenho um favor a pedir, investigue o meu adversário’”, twittou o congressista democrata Adam Schiff. 

 

“Prova cabal” Importa recordar que ao contrário do que aconteceu com Richard Nixon (ver página 5), em princípio as conversas de Trump não são gravadas, sendo transcritas manualmente por várias pessoas. “Estes tipos e tipas estariam a martelar o teclado, tentando registar a chamada o melhor que conseguissem”, explicou ao Washington Post Larry Pfeiffer, antigo conselheiro do ex-Presidente Barack Obama. Algo que resulta em várias versões incompletas, que são comparada e unidas – mantendo-se a questão de quanto da conversa é que Trump divulgou.

“Esta transcrição é em si uma prova cabal”, assegurou no Twitter a senadora democrata Elizabeth Warren. “Se esta é a versão dos acontecimentos que a equipa do Presidente considera mais favorável, ele está em muito maus lençóis”, notou. Entretanto, o Washington Post falou com vários assessores de senadores republicanos, que contaram que os seus chefes parecem concordar com Warren – e estavam furiosos por terem de defender Trump após a divulgação de uma transcrição tão suspeita.

Se muitos republicanos desvalorizaram de imediato o assunto, como o senador Lindsey Graham – “wow, impeachment por causa disto?”, twittou – outros mostraram-se atordoados. “É perturbador ao extremo, profundamente perturbador”, disse o senador Mitt Romney.

Se as críticas dos democratas têm subido de tom, é o descontentamento silencioso entre os republicanos que pode causar os maiores estragos a Trump. Parece quase certo que a destituição do Presidente será aprovada na Câmara dos Representantes – controlada pelos democratas – e provavelmente chumbada no Senado – que tem uma maioria republicana.

 

E agora? “As ações do Presidente até à data violaram seriamente a constituição”, assegurou a líder da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, antes de abrir oficialmente uma investigação para o impeachment do Presidente.

Das duas uma, caso a investigação traga provas suficientes da alegada má conduta do chefe da Casa Branca, a câmara procede para votar a sua destituição. Isto é, caso se prove abuso de poder e “outros delitos” e traição à nação, de acordo com a constituição norte-americana.

A Câmara dos Representantes é composta por 450 representantes, dos quais 235 são democratas. Pelas contas dos media norte-americanos, neste momento mais de 200 democratas já apoiam o impeachment – um número que aumenta a cada hora que passa. Há uma semana eram pouco mais de 150 congressistas. Só na segunda-feira, o grupo aumentou em 70 representantes. Do outro lado da barricada, nenhum republicano apoia o início do processo de destituição de Trump, ou pelo menos ainda não o declarou. 

Sendo aprovado o impeachment na Câmara dos Representantes, o processo sobe para o Senado, que fará então uma espécie de julgamento, onde os senadores são os júris. Para que o Presidente seja destituído são precisos dois terços dos votos dos senadores. Embora o processo tenha um caráter de julgamento judicial, não deixa de ser político. O Senado é controlado pelo Partido Republicano: dos 100 senadores, apenas 45 são democratas. E são precisos 67 para destituir o Presidente. 

Além disso, há sempre a possibilidade do líder do Senado, o republicano Mitch McConnell, simplesmente se recusar a realizar um julgamento. Não existem mecanismos estaticamente definidos para esse caso.