Fernanda Câncio e Valete cada vez mais longe de serem BFF

A jornalista Fernanda Câncio publicou, na passada quarta-feira, um texto no seu blog, “Jugular”, acerca da polémica “guerra de palavras” em que se envolveu com o rapper Valete. A jornalista começa por admitir que, depois de refletir bastante, chegou à conclusão de que “é imperativo, ético e até um dever cívico” escrever sobre o assunto.

Através do texto Valete e a ‘pide feminista’: uma fábula sobre a liberdade de expressão, a jornalista acusa o músico de ameaçá-la, através da troca de SMS, afirmando mesmo que “não o denunciar seria tornar-me cúmplice desta fraude”.

Tudo começou há cerca de um mês quando Valete publicou uma nova música, no seu canal de Youtube, intitulada “BFF”. Apesar de Valete ser um dos nomes mais conhecidos do rap português, e de não ser surpresa que os comentários não iam tardar a chegar, a polémica instaurou-se quando os comentários se dividiam entre mensagens de apoio e mensagens que acusavam a música de ser um incentivo à violência. Mas os comentários não foram deixados ‘apenas’ por fãs mas também por personalidades como a cantora Sónia Tavares e o comediante Diogo Faro.

A crescente discussão levou à entrevista Valete. O rapper, a adúltera, a caçadeira e a 'pide feminista, publicada a 18 de setembro, terça-feira, no jornal Diário de Notícias. Foi no sábado seguinte que a jornalista disse ter recebido a primeira ameaça. No seu blog, admite que o artista a aconselhou a “conter-se” no twitter, acusando-a de estar “numa intifada anti-valete”. Uma das mensagens enviadas por Valete dizia, segundo a publicação, “garanto-te que não queres comprar esta guerra”. Ao jornal Observador, Valete não negou o envio destas mensagens, mas deu mais detalhes, dizendo que a “guerra” a que se referia era uma guerra de palavras.

Fernanda Câncio terá respondido à mensagem, “dizendo que nada do que escrevera no twitter era novo em relação ao que lhe dissera pessoalmente: durante a conversa que tivemos dei-lhe a minha opinião sobre a música e o vídeo, tal como depois da publicação ele me disse que não tinha gostado do artigo. Toda a conversa até essa mensagem na madrugada de sábado tinha sido cordata, entre duas pessoas com opiniões diferentes mas que falam civilizadamente uma com a outra – o normal, portanto. Tinha-lhe até falado de um filme de Kurosawa, "Rashômon", em que um homicídio é narrado das perspectivas de todos os intervenientes e testemunhas, porque me pareceu que algo do tipo podia ser uma saída para o sarilho em que ele se tinha metido”.Após a jornalista lhe ter respondido, Valete terá ainda enviado outra mensagem na qual lhe dizia que não a ia “avisar segunda vez”.

A jornalista acusa ainda o músico de não conseguir “lidar” com a liberdade de expressão “se usada para criticar essa obra”, apesar de reivindicar a sua liberdade de expressão através da música BFF. Fernanda Câncio não voltou a falar com Valete depois de este lhe dizer: “se vacilares vou-te provar bem rápido que não ameaço em vão. Assunto encerrado”. Recebeu ainda um link do cantor com um post do facebook em que alguém que se identificava como mulher, acusava as mulheres “como eu, que consideram que a música e o vídeo do Valete reiteram estereótipos de género e o discurso da misoginia (que aliás se encontra noutras criações dele, como ‘Não Te Adaptes’) e banalizam a violência sobre as mulheres, de serem pseudo feministas”.

E enquanto Fernanda Câncio pensava no que devia fazer quanto ao assunto, “a discussão pública continuou”. Valete, que entretanto já tinha justificado que a música era apenas “uma boa história, nada mais”, acrescentando que “decretaram agora não se pode fazer filmes com violência e que não se pode fazer arte sem mensagem. Como fiz em toda a minha vida, contei uma boa história”, foi criticado também por um dos líderes do SOS Racismo, Mamadou Ba, que disse que “’fazer arte sem mensagem’ sobre a violência doméstica é, sim, inaceitável. Não se trata de decreto nenhum, nem de juízo de uma minoria que não percebe do processo criativo do rap. É uma posição de princípio que vincula a criação artística à responsabilidade cidadã e ao compromisso político”.

Na sua publicação, a jornalista fala ainda de outro caso. Um casal que recebeu mensagens ameaçadoras de alguém que “aparentemente é valete, através da sua conta de instagram”. Nas mensagens que o casal recebeu, e que estão a circular nas redes sociais, podem ler-se coisas como “’Vou-te dar 2 cabeçadas para aprenderes a não ser espertinho” ou “só para avisar que o teu marido foi desrespeitoso em relação a mim. Ainda esta semana vou ter com ele e vou-lhe dar nos cornos”. A jornalista, que diz ter falado com o casal, admite no blog que o casal está a pensar apresentar queixa.

A jornalista termina a sua publicação admitindo que “até simpatizou” com o rapper, com quem esteve a falar “de forma cordata” quando o entrevistou. “Sei que não posso admitir que alguém com esta dimensão pública, alguém que é visto como um role model por muitos jovens e menos jovens, que passa por um 'rapper consciente' e com 'preocupações sociais' e até por um 'intelectual', ache que pode tentar reduzir pessoas ao silêncio com ameaças de mafioso enquanto faz de conta que é um grande defensor da liberdade de expressão“, escreve.

{relacionados}