Matthews. O embaraço do feiticeiro

Ele foi o primeiro melhor dos melhores. Em 1956, estreou a Bola de Ouro. Tinha nada mais nada menos do que 41 anos.

Há sempre um prémio à espera de um premiado e muitos candidatos a premiados à espera de um prémio. Ou havia. Antes de CristianoRonaldo e Messi se tornarem, maçadoramente, os açambarcadores de tudo o que é troféu individual. Outros tempos. Há muitos anos, na Tia Matilde do nosso querido Ti’ Emílio, numa longa conversa com Eusébio falávamos da Bola de Ouro do France Football, a primeira grande distinção para um jogador que surgiu na sequência da criação da Taça dos Campeões Europeus. Era filosofia da revista, que saía apenas às sextas-feiras, para a qual trabalhei mais de dez anos, que não se repetissem vencedores durante anos consecutivos. Foi Cruyff, em 1973 e 1974, a pôr um fim a esse princípio, a despeito de Di Stéfano ter ganho o galardão em 1957 e 1959. Eusébio, que foi sem margem para dúvida, o melhor jogador da Europa entre 1962 e 1969, teve a Bola de Ouro em 1965, e viu gente como Masopust, Dennis Law, Florian Albert e Rivera serem tão premiados quanto ele embora, convenhamos, dificilmente lhe carregassem as botas se dividissem o mesmo balneário. E até Bobby Charlton, que foi britanicamente e convenientemente condecorado em 1966 (depois do extraordinário Campeonato do Mundo de Eusébio!?), e George Best, que não passou de um alegre e divertido cometa do mundo do futebol (1967) ficavam bastante abaixo da sua categoria.

O Pantera Negra nunca escondeu essa tristeza e eu estou aqui, já alguns anos após a sua morte, solidário com ela. Mas, dentro da subjetividade destas festarolas, agora absolutamente parolas que até se prestam ao gozo descarado dos fatos que Messi veste em cada gala, não há nada a discutir, verdadeiramente. A simpatia de cada votante dirige-se ao votado e não ao seu desempenho. Apesar de tudo, houve eras mais justas. Mesmo as que foram injustas para o grande Eusébio.

Embaraçado…

Quando Stanley Matthews, cuja carreira foi duramente interrompida no seu auge pela IIGrande Guerra, assinou um contrato pelo Blakpool em 1947, Joe Smith, o treinador que o recebeu, mostrou desconfiança: «You’re 32, do you think you can make it for another couple of years?». Depois encolheu os ombros e limitou-se a dizer-lhe: «Olha, a tua categoria ninguém pode pôr em causa. Vai para o campo, joga como quiseres e orienta os mais novos». Um ano depois, o Blakpool, com Stanley no comando, jogou a final da Taça de Inglaterra contra o Manchester United dirigido por Matt Busby. Perdeu por 2-4 mas Matthews conquistou o prestigiado Football Writers Association Footballer of the Year award.

A velhice tem destas coisas: geralmente vive na cabeça de cada um e só se manifesta quando lho permitem. 
Vamos avançar no tempo a uma velocidade que não pode ser acompanhada pelos relógios e apenas pelas folhinhas do calendário. A época de 1955-56 foi tremenda para Stanley Matthews, a quem chamavam de Wizzard of the Dribble, o Feiticeiro do Drible. OBlakpool bateu-se fortemente pelo título inglês até que, na fase final do campeonato, foi irremediavelmente ultrapassado pelo United. Não por acaso, Matthews aleijou-se num momento decisivo. Com jovens de qualidade como Jackie Muddy e Jimmy Arfield, a equipa precisava do seu mestre. Não o teve. Ainda assim, na primeira jornada da prova, ao bater o Arsenal por 3-1, Stanley encheu de tal forma as medidas a um público fascinado que não teve dúvidas em sublinhar, mais tarde, nas suas memórias, que foi um dos seus melhores desempenhos de sempre.

The Way it Was é um tijolo com mais de 600 páginas que merece ser lido de fio a pavio. Nele, Stanley Matthews conta a sua vida, no futebol e fora dele, com momentos de puro humor fino e recordações das vezes que veio a Lisboa, uma para jogar pela seleção da Royal Air Force (RAF), a outra para, com a camisola da Inglaterra, infligir a Portugal a derrota mais humilhante de sempre, no Estádio Nacional, por 0-10, num desafio que ficou conhecido por dez-a-fio. A forma como o quiseram levar para a esquadra por estar em frente aoHotel Estoril Sol a fumar usando um isqueiro sem licença parece tê-lo afetado mais do que os jogos em si.

Foi no seu tempo de Blakpool que Matthews venceu A Bola de Ouro. A despeito do clube do seu coração e da sua carreira ter sido o Stoke City, onde começou a jogar em 1932 e onde pendurou as botas em 1965, ao fim de um percurso de 33 anos!!! A conquista do prémio não lhe trouxe satisfação por aí além. A expressão que usa na sua autobiografia é dura: «complete surprise and embarrassment!». Se estava a ser absolutamente sincero, só ele o saberá e desapareceu em fevereiro do ano 2000 com a idade de 85 anos.

«Não considero que as minhas exibições nessa época valessem uma distinção de tanto prestígio. Foi com absoluta surpresa e embaraço que recebi a notícia de que me iriam atribuir a primeiro troféu de Melhor Jogador da Europa doAno, em estreia absoluta. Sou de opinião que havia jogadores em muito melhor forma e aos quais a condecoração ficaria bem melhor do que a mim e seria mais justa. Falo, por exemplo, de Puskás e Di Stéfano que, no Real Madrid, se tornaram nos verdadeiros catalisadores do futebol moderno, com o seu estilo explosivo e o seu ataque continuado em ondas sucessivas. Mas, claro, não deixei de me sentir orgulhoso».

Di Stéfano ficaria apenas a três votos de Matthews, 44 contra 47, deixando para trás Kopa, Puskás e Lev Yashin. Di Stéfano diria dele: «Muitos jogadores julgam-se grandes. Não são. Nunca o foram. Stan era de uma grandeza sem igual!».

Em 1962, Eusébio entrava pelos portões dourados do futebol do mundo. Stanley Matthews regressava ao seu Stoke com a árdua missão de ajudar o clube a retomar o caminho da I Divisão de Inglaterra. Na aventura da subida, realizou 31 jogos. Estava com 47 anos. Ainda faria mais duas épocas, mas entrou em apenas 10 partidas. Como se se recusasse o adeus.