Os temas da próxima Legislatura

Os próximos quatro anos terão temas quentes de sobra para debater no Parlamento, na concertação social, nas autarquias e na Europa. Há também um caso de justiça – o de Tancos – que pode marcar a legislatura. 

Caso Tancos com novo inquérito

O roubo e a recuperação das armas de guerra no paiol de Tancos já tem acusação e a lista de envolvidos incluiu o antigo ministro da Defesa, Azeredo Lopes. Entre os socialistas a ordem é para não comentar o caso ou defender o ex-governante. Mas o processo chegará a tribunal na próxima legislatura e o tema promete aquecer o debate político entre PS e os partidos da direita, PSD e CDS. Mais, é expectável que a próxima legislatura conheça mais uma comissão de inquérito parlamentar ao caso do roubo e recuperação das armas de guerra. Isto significa que o assunto não morreu politicamente. Na próxima legislatura o caso pode mesmo transformar-se no processo mais mediático da política até porque envolve a área da defesa, da segurança e da soberania. PSD e CDS vão querer dissipar dúvidas sobre quem sabia o quê no processo de Tancos, designadamente, sobre a respetiva encenação do achamento do material de guerra.

Saída de Centeno

 O ministro das Finanças não tinha vontade de continuar no cargo num próximo Governo. Mário Centeno tem sido, aliás, apontado para ocupar vários cargos em instituições internacionais e foram várias as notícias publicadas a dar conta que António Costa teve de puxar de vários argumentos para segurar o ministro das Finanças. Foi o caso da corrida para diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI) com Centeno a ser um dos nomes apontados como candidato pela Europa. A escolha acabou por recair na búlgara Kristalina Georgieva. Resta agora a Centeno a possibilidade de vir a assumir o cargo de governador do Banco de Portugal. Cargo para o qual, em entrevista à TSF, o ministro salientou ter o perfil necessário. O mandato de Carlos Costa termina em 2020, na mesma altura em que Centeno termina o mandato como presidente do Eurogrupo. É por isso quase certo que, caso o PS vença as eleições, o ministro das Finanças venha a tomar posse mas que não cumpra o mandato até ao fim. 

Presidência da União Europeia em 2021           

Portugal assume a presidência do Conselho da União Europeia no primeiro semestre de 2021 e já foi criada uma estrutura de missão para o efeito. A última vez que Portugal cumpriu esta missão foi em 2007 antes mesmo do Tratado de Lisboa, mas os desafios, agora, são outros. No seu programa eleitoral os socialistas usam 33 vezes a expressão União Europeia e comprometem-se “a preparar e realizar, no primeiro semestre de 2021, a Presidência Portuguesa da União
Europeia, fazendo da relação entre a Europa e a África a sua prioridade fundamental”. Contudo, um dos desafios da legislatura será o de saber de que forma o partido de Governo tem, ou não, o apoio do Parlamento para implementar as suas propostas e deixar a sua marca nos primeiros seis meses de 2021. Essa preocupação coloca-se na avaliação da geometria parlamentar porque os parceiros de esquerda estão longe de convergir sobre o papel da União Europeia.  E Portugal precisa de estabilidade e consensos nesse período.

Descentralização e Regionalização

A descentralização, o único acordo firmado entre o PS e o PSD, deverá arrancar em todas as autarquias do país em 2021 e é um dos temas que mais contestação vai gerar entre os presidentes das câmaras e os partidos da geringonça. Os diplomas do Governo que transferem competências para as 308 autarquias do país em 21 áreas, entre as quais Saúde, Educação, Habitação ou  Segurança Rodoviária, já receberam luz verde de Belém mas foram chamados ao Parlamento para uma reapreciação dos partidos. Desde logo, os autarcas reclamam que o envelope previsto de 1,2 mil milhões anuais para cobrir as despesas que vão assumir é insuficiente para salários e para avançar com as várias medidas. Além disso, a Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública anunciou que vai recorrer ao Provedor de Justiça, aos partidos com assento parlamentar e à Procuradoria-Geral da República para que seja pedido no TC a fiscalização sucessiva da lei-quadro da descentralização acusando o Governo de querer avançar com “um processo de regionalização de forma encapotada” e que põe em risco o acesso universal a serviços.   

Desertificação do interior

A tragédia dos incêndios, em 2017, pôs o país a discutir a desertificação do interior. Todos os partidos apresentam várias medidas para atrair mais pessoas para o interior. O PS quer “lançar um programa de regresso ao campo, que promova a reversão do êxodo rural, estimulando o regresso de quem saiu do interior para as cidades e aí vive atualmente com menor qualidade de vida”. Os socialistas prometem ainda “adotar políticas ativas de repovoamento do interior” e “promover a habitação jovem no interior”. À esquerda do PS, os bloquistas defendem a criação de um programa de “reabertura gradual de serviços públicos”. O PCP também quer reabrir os serviços públicos encerrados no tempo da troika. Já o PSD defende “a desconcentração de serviços públicos” e “a criação de um quadro de incentivos à instalação de empresas em zonas do interior”. O CDS, entre outras medidas, quer  criar “um Estatuto Fiscal para o Interior que permita um IRC competitivo para empresas que desenvolvam e criem emprego”. 

Leis Laborais

As alterações legislativas laborais ainda vão fazer correr muita tinta. Há um pedido de fiscalização sucessiva no Tribunal Constitucional, entregue pelo PCP, Bloco de Esquerda e Verdes. O último acordo de Concertação Social foi difícil e os patrões nem faziam questão de mudar muita coisa na legislação. Contudo, aceitaram. Agora, o PS pede mais medidas para conciliar o trabalho com a família e o PSD quer lançar o debate sobre os descontos para a reforma, em conjunto com a negociação dos aumentos salariais.   Nos últimos quatro anos registaram-se avanços e recuos, uma guerra de surdos entre os parceiros de esquerda do PS, com a promessa de muita luta nas ruas, e uma tentativa de aproximação dos socialistas aos sociais-democratas. Nos próximos quatro anos a área laboral será uma das mais debatidas no Parlamento, porque há propostas para todos os gostos, inclusive, o aumento do número de dias de férias para os 25 dias e a reposição dos valores das indemnizações, em caso de despedimento, antes da ajuda externa. É uma das grandes divergências entre os partidos da gerigonça. 

Tempo de serviço dos professores

A contabilização do tempo de serviço congelado aos professores vai ser um dos temas que vai marcar a próxima legislatura. Em causa estão nove anos, quatro meses e dois dias dos quais o Governo apenas contabilizou dois anos, nove meses e 18 dias, que para mais de metade dos 90 mil docentes dos quadros só terão efeitos a partir de 2021. Apesar de verem reconhecido 30% do tempo de serviço congelado, os professores não vão deixar cair no esquecimento a reclamação de todo o tempo de serviço congelado e não vão cruzar os braços deixando, desde já, a promessa de vários protestos durante a próxima legislatura. No dia 5 deste mês, a um dia da ida às urnas sendo esta a data em que se celebra o Dia Mundial do Professor, os sindicatos vão sair à rua para uma manifestação nacional, em Lisboa. Além disso, a plataforma dos dez sindicatos já deixou o aviso que assim que o próximo ministro da Educação tome posse os professores vão entregar um caderno de encargos com medidas que querem ver resolvidas. 

Aumento do salário mínimo
O aumento do salário mínimo é negociado, normalmente, em sede de concertação social, com os patrões e sindicatos, mas há propostas para todos os gostos para a próxima legislatura, incluindo um aumento para os 900 euros até ao final de 2023, defendido pelo Livre. Os comunistas e a CGTP foram os primeiros a defender um aumento para os 850 euros a curto prazo. As confederações patronais avisaram que o número é irrealista. O Bloco de Esquerda, por exemplo, defende um aumento para os 650 euros já em janeiro de 2020. Os sociais-democratas, por seu turno, querem que se chegue a 2023 com um  salário mínimo não inferior a 700 euros, tendo em conta a produtividade e a taxa de desemprego. Assim, o debate será feito em torno de um patamar mínimo dos 650 euros e na capacidade de diálogo entre o Governo e os parceiros sociais. No limite, quem decide é o Executivo porque o aumento é aprovado em decreto-lei no mês de dezembro de cada ano.

Aumento da função pública

Os sindicatos exigem aumentos salariais de 3% para todos os funcionários públicos, a partir do próximo ano. Querem ainda a reposição do pagamento do trabalho suplementar e o pagamento de ajudas de custo, ao nível de 2010. O ministro das Finanças já admitiu que os aumentos para a função pública estão previstos no Programa de Estabilidade mas, em 2020, a verba disponível não ultrapassará os 95 milhões de euros. Também o primeiro-ministro, em entrevista à SIC, admitiu aumentar todos os funcionários públicos, mas com verbas que ficariam definidas pela trajetória de crescimento económico e com a sustentabilidade das contas públicas. Desta forma, só em 2021 os salários mais altos da função pública deverão contar com acertos, com uma despesa total prevista na ordem dos 205 milhões de euros – valor que sobe para 386 milhões de euros em 2022. Durante esta legislatura, os aumentos salariais não abrangeram todos os funcionários do Estado. Apenas os funcionários com os salários mais baixos foram aumentados, passando a receber um vencimento mensal de 635 euros. 

Menos impostos

A próxima legislatura começa com a promessa de alívio fiscal para as famílias. A maioria dos partidos tem essa promessa nas propostas eleitorais, apesar de a receita ser diferente conforme o espetro político: direita ou esquerda. O PS, por exemplo, aponta caminho para o desdobramento de escalões de IRS e o desagravamento de IRC para empresas que reinvestem os seus lucros. O PCP recupera uma velha batalha de aumentar os escalões de IRS para dez e subir os limites do mínimo de existência (a isenção do pagamento do imposto de IRS). O BE também quer mais dois escalões no IRS. À direita, o CDS quer aliviar o IRS em média 15% ao fim de quatro anos e baixar o imposto para as empresas, de 21% para 12, 5%, num prazo de seis anos, colocando Portugal mais próximo da Irlanda. O PSD propõe um alívio fiscal de 3,7 mil milhões de euros em quatro anos que engloba o IRS, o IVA, o IMI e o IRC na lista de impostos a reavaliar. 

Investimento no SNS

O PS diz que a saúde é a “joia da coroa” da próxima legislatura. Esta é uma promessa que os partidos da geringonça não vão deixar passar em branco e vão insistir num reforço do investimento no Serviço Nacional de Saúde que passa pela contratação de mais pessoal e pela construção de mais hospitais públicos. Além disso, em cima da mesa está a discussão da aplicação de um regime de exclusividade para os médicos no SNS. Num cenário em que a Lei de Bases da Saúde foi um dos braços-de–ferro entre o PS e o Bloco de Esquerda, o próximo Governo terá agora de regulamentar a lei-quadro. E uma das normas que mais polémica podem suscitar passa pela regulamentação das parcerias público-privadas (PPP), havendo quatro contratos em vigor nos hospitais de Braga, Cascais, Vila Franca e Loures. Depois de vários avanços e recuos nas negociações entre os partidos da geringonça, a versão final da lei aprovada no Parlamento abre a porta à continuação das PPP. No entanto, o Bloco de Esquerda é contra as parcerias público-privadas e o PCP também não vê com bons olhos a gestão privada de hospitais públicos. 

Eutanásia 

A despenalização da morte assistida é um dos temas que irão ser retomados na próxima legislatura. Depois de, no ano passado, quatro projetos de lei sobre esta matéria – apresentados pelo PS, BE, PEV e PAN – terem sido chumbados no Parlamento, vários partidos voltam a integrar propostas sobre a eutanásia nos seus programas eleitorais. Tal como no passado, o BE e o PAN incluem, ambos, a despenalização para quem sofra uma “doença fatal” e “irreversível e com um sofrimento insuportável”, acrescentando os bloquistas que as condições referidas têm de ser comprovadas “por dois médicos ou médicas”. O CDS, que já se tinha manifestado contra nesta legislatura, assume novamente a mesma posição no programa. Já a CDU, o PS e o PSD não fazem qualquer menção ao assunto nas suas promessas para depois de dia 6. No entanto, se mantiverem a mesma posição, os comunistas serão contra, o PS timidamente a favor e no PSD haverá liberdade de voto.

Barrigas de aluguer

A lei da procriação medicamente assistida, conhecida como barrigas de aluguer, foi chumbada duas vezes pelo Tribunal Constitucional e vetada pelo Presidente da República. Em causa está a norma da revogabilidade do consentimento da gestante até ao nascimento da criança, ou seja, a possibilidade de, até ao nascimento, a grávida poder arrepender-se e poder decidir não entregar a criança aos candidatos a pais – norma que não consta da lei aprovada pelo Parlamento. Por isso, os juízes do Palácio Ratton declararam a lei inconstitucional e entenderam que há “violação do direito ao desenvolvimento da personalidade da gestante, interpretado de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana, e do direito de constituir família, em consequência de uma restrição excessiva dos mesmos”. Mas este é um tema que o Bloco de Esquerda – partido que mais tem vindo a insistir neste tema – não vai deixar cair no esquecimento e o partido já avisou que esta será “uma das primeiras” iniciativas que terá na próxima legislatura. 

Natalidade

Todos os partidos assumem que é necessário tomar medidas para resolver o problema da baixa natalidade. “Aumentar as deduções fiscais, no IRS, em função do número de filhos” e apoiar “a comparticipação das famílias no preço da creche, a partir do segundo filho” são algumas das propostas dos socialistas. O programa eleitoral dos sociais- -democratas promete “reformular o abono de família pré-natal, alargando a base de beneficiários” e “alargar a licença parental de 20 para 26 semanas a partir do segundo filho”. A criação de “uma rede nacional de creches e jardins-de-infância tendencialmente gratuitos” é outra das propostas do partido. O CDS também apresenta várias medidas para inverter num horizonte temporal de dez anos a queda da natalidade. Os centristas querem criar “um ambiente fiscal que leve em conta as necessidades e a dimensão das famílias”, alargar “a duração da licença parental” e fazer novas leis para conciliar “melhor” a vida profissional com a vida familiar. 

Touradas

O PAN já prometeu apresentar uma proposta para acabar com as touradas na próxima legislatura. O partido de André Silva ambiciona ganhar mais influência nos próximos quatro anos e já manifestou a esperança de que “os partidos tradicionais estejam finalmente à altura dos anseios da população portuguesa”. No programa eleitoral, o partido propõe “abolir a utilização de animais em espetáculos tauromáquicos”. A proposta é também assumida pelo Livre que, no programa eleitoral, prevê “abolir as atividades tauromáquicas”. Os bloquistas querem acabar com “os apoios públicos, diretos e indiretos, a eventos tauromáquicos”. Os partidos antitouradas pretendem também proibir a presença de crianças e jovens com menos de 18 anos em espetáculos tauromáquicos. As propostas para acabar com as corridas de touros foram chumbadas, no Parlamento, na última legislatura. A polémica continua na próxima. 

Alterações climáticas

As alterações climáticas fazem parte de todos os programas eleitorais. Por isso, o tema vai dominar a agenda política até 2023. “Não há planeta B” pode mesmo ser um dos lemas da próxima legislatura, uma ideia lançada pelo Bloco de Esquerda mas que sintetiza muitas das preocupações dos partidos. Há propostas de incentivos na fiscalidade verde e os socialistas fizeram promessas de vantagens fiscais para os veículos elétricos e incentivos para a eficiência energética, “em particular nos edifícios de habitação”, além de apoios à renovação de velhos eletrodomésticos por novos com consumos mais baixos. O Bloco quer mesmo um ministério da Ação Climática. O PAN quer secções ambientais no Ministério Público e mão pesada para crimes ambientais. O ataque ao recurso do plástico está na agenda de todos, designadamente da CDU. O PSD reclama mesmo a declaração de emergência climática. Por isso, os próximos Orçamentos terão, seguramente, propostas sobre o ambiente.