Cigarras e formigas

Temos um milhão de euros e queremos usá-los de uma forma socialmente útil. O que devemos fazer? Distribuir mil euros por mil pobres – ou entregar o milhão a um empreendedor? Se distribuir os mil euros por mil pobres, dentro de um ano o dinheiro ter-se-á esfumado: eles terão gasto os mil euros e estarão…

Não vou falar do roubo de Tancos, sobre o qual escrevi na semana passada e que constituiu um caso à parte na campanha eleitoral.

Vou recordar – imagine-se! – a fábula da cigarra e da formiga.

Ela aplica-se que nem uma luva à campanha que ontem findou.

Nos debates, o que disseram o BE e o PCP?

Que é preciso aumentar o salário mínimo, acabar com as taxas moderadoras, criar rendas acessíveis, diminuir as horas de trabalho, etc.

Numa palavra, que as pessoas devem passar a trabalhar menos e a ganhar mais.

Donde vem o dinheiro para isso, pouco importa.

O próprio PS mostrou-se muito satisfeito por ter reduzido o IRS.

Não houve debate em que António Costa não falasse na redução do IRS.

Para ele, desde que as pessoas vejam mais dinheiro no recibo do ordenado, está tudo bem – mesmo que depois esse dinheiro seja levado por outros impostos.

O que interessa é a ilusão.

Dar às pessoas a ilusão de que têm mais dinheiro para gastar.

O resto não interessa.

Rui Rio, honra lhe seja, com algum sentido pedagógico, tentou passar a ideia de que por este caminho vamos ficando sempre mais pobres.

Para distribuir é preciso primeiro produzir.

Não podemos pôr o carro à frente dos bois.

Mas é muito mais difícil explicar isto às pessoas.

Porque implica um grau de educação maior, não é algo que se percecione imediatamente.

A esquerda diz o básico; este raciocínio requer outra preparação.

E, para produzir mais, o que é preciso?

É preciso investir nas empresas, apostar nas empresas, facilitar a vida às empresas.

Sem empresas fortes e prósperas não há estabilidade no emprego, não há salários razoáveis, não se criam novos postos de trabalho.

Portanto, se há folga orçamental, ela deve ser usada em primeiro lugar para criar melhores condições para as empresas – e não para redistribuir pelos trabalhadores.

Para se ver isto com clareza, pense-se no seguinte:

Temos um milhão de euros e queremos usá-los de uma forma socialmente útil.

O que devemos fazer?

Distribuir mil euros por mil pobres – ou entregar o milhão a um empreendedor?

Se distribuir os mil euros por mil pobres, dentro de um ano o dinheiro ter-se-á esfumado: eles terão gasto os mil euros e estarão tão pobres como antes.

Mas se entregar o milhão de euros a um empreendedor capaz, dentro de um ano o milhão poderá ter-se transformado em dois milhões.

E, entretanto, pode ter criado emprego e produzido bens.

As políticas de redistribuição têm outro problema: fazem aumentar o consumo e portanto as importações.

Ao distribuir mil euros por mil pobres, contribuímos para aumentar o consumo e as importações; mas se os entregarmos a um empreendedor, contribuiremos para aumentar a produção e eventualmente as exportações.

E isso faz toda a diferença.

Porque é no balanço entre importações e exportações que se faz a riqueza das nações.

Os países só enriquecem exportando mais do que importam.

Se acontecer o contrário – como está a suceder agora – vão-se empobrecendo.

A cigarra canta no Verão e sofre no Inverno; a formiga trabalha no Verão para poder atravessar tranquilamente o Inverno.

O PCP, o BE e de certa forma o PS têm como objetivo distribuir o dinheiro disponível, para as pessoas terem uma vida melhor.

Só que, vivendo melhor no presente, estão a hipotecar o futuro.

Não vi Catarina Martins e Jerónimo de Sousa falarem uma única vez nas empresas.

Uma só.

As empresas para eles não existem.

E, quando existem, é para para lhes malharem em cima – atacando os ‘patrões exploradores’.

Para eles só existe o Estado, os serviços do Estado, as empresas do Estado e os bancos do Estado.

A economia privada não existe.

Ora, isto é que é o verdadeiro populismo.

O BE e o PCP fazem o discurso mais básico, mais primário: dizem às pessoas que são exploradas e prometem-lhes mais dinheiro no bolso.

Escondem-lhes que, para distribuir, é preciso primeiro gerar riqueza, poupar, produzir, exportar, receber.

Se se distribuir tudo o que se vai amealhando, o dinheiro gasta-se e o país não anda para a frente.

Rio tentou dizê-lo com a paciência de um mestre-escola, só que as pessoas não querem ouvir falar de dificuldades.

Vivemos no tempo do efémero, do imediato, da satisfação dos caprichos e dos sentidos – em suma, num tempo mais feito para as cigarras como Catarina Martins do que para as formigas como Rui Rio.

Resta dizer, para terminar, que no duelo particular entre Rui Rio e António Costa o líder do PSD ganhou claramente.

Talvez as dores nas costas tenham afetado negativamente a performance do primeiro-ministro, sempre muito hirto e pouco descontraído.