Pagamento de salários na ONU ameaçado por problemas financeiros

Ao i, João Duque chama a atenção para as “despesas brutais” que a organização tem. Uma das soluções, de acordo com o economista, passaria por reduzir viagens e conferências e abandonar Nova Iorque como sede da ONU.

A Organização das Nações Unidas (ONU) corre o risco de ficar sem dinheiro. O alerta é dado por António Guterres ao admitir que a organização corre o risco de não conseguir pagar os salários até ao final do mês. Em causa está um défice de 230 milhões de dólares, o equivalente a 210 milhões de euros. Numa carta enviada aos 37 mil funcionários, o secretário-geral da ONU afirma que “os Estados-membros só pagaram 70% do valor total necessário para as nossas operações regulares em 2019. Isso traduziu-se numa escassez de dinheiro no valor de 230 milhões de dólares no fim do mês de setembro. Corremos o risco de esgotar as nossas reservas de liquidez de backup até ao fim do mês”, diz o documento a que AFP teve acesso. Nesse sentido, o português responsável pela ONU garante que é urgente que se tomem “medidas adicionais não especificadas” para que se possa garantir o pagamento de salários.

Uma das medidas consideradas urgentes diz respeito ao corte nas despesas da organização. Mas para isso é necessário adiar conferências e reuniões e reduzir os serviços. Mas não só. As viagens oficiais vão ser restringidas apenas a atividades essenciais e serão ainda tomadas medidas para poupar energia.

A medida não surpreende o economista João Duque. “As despesas que a ONU tem são brutais. Entre viagens, estadias, despesas de representação mais custos em reuniões, o dinheiro não chega para tudo”, diz ao i.

João Duque chama ainda a atenção para as “fortunas” que são gastas apenas pelo facto de a ONU estar sediada em Nova Iorque. “É uma das cidades mais caras. Os salários que são praticados são de ordenados americanos. Tudo isto acresce ao orçamento que a ONU tem para gastar por ano”. E o economista não tem dúvidas: “Todas as despesas são calculadas anualmente e António Guterres tem a obrigação de fazer as contas no início do ano para saber até onde pode ir, e abandonar Nova Iorque seria uma das decisões mais razoáveis”, refere ao i.

Ainda em junho, o secretário-geral da ONU disse aos diplomatas que ponderou vender a sua casa em Manhattan, em Nova Iorque, para ajudar a organização a superar uma grave crise orçamental. “A primeira coisa que fiz quando cheguei foi perguntar se poderia vender a casa”, garantiu.

Recorde-se que a residência oficial do secretário-geral da ONU é uma casa de quatro andares com jardim, com vista para o East River, na área de Sutton, em Manhattan. A casa foi oferecida à organização por um bilionário, em 1972, e o seu valor é estimado em várias dezenas de milhões de dólares. No entanto, António Guterres esclareceu ter descoberto rapidamente que os acordos entre as Nações Unidas e os Estados Unidos não lhe permitiam vender a propriedade.

Problemas antigos O certo é que o problema não é novo. Um funcionário, que pediu anonimato, garante que Guterres já tinha pedido aos Estados-membros, no início deste ano, que as contribuições para a ONU aumentassem para que pudessem ser evitados problemas de fluxo de caixa. O pedido foi recusado. O problema é que estas contribuições são muito importantes para a sustentabilidade da ONU, como António Guterres referiu: “A responsabilidade final pela nossa saúde financeira cabe aos Estados-membros”.

Recorde-se que o orçamento operacional para 2018/2019 da ONU é de 5,4 mil milhões de dólares (aproximadamente 4,55 mil milhões de euros). Este valor exclui o que se paga pelas operações de manutenção da paz e os Estados Unidos contribuem com 22%. No entanto, este orçamento já tem vindo a sofrer cortes, nomeadamente no orçamento das missões de paz. No total, o valor atribuído este ano é 5% inferior ao atribuído no biénio anterior.

A verdade é que esta não é a primeira vez que a ONU alerta para a falta de dinheiro. Recuamos a julho de 2018, altura em que o secretário-geral das Nações Unidas pediu aos países para pagarem atempadamente as contribuições devidas.

Na altura, voltava a ser assunto a possibilidade de a organização estar a ficar sem dinheiro e Guterres enviou uma carta aos embaixadores dos países-membros da organização devido aos atrasos nos pagamentos das contribuições. É que, dos 193 países que na altura tinham assento na organização, apenas 112 tinham pago, o que significava um buraco no orçamento da ONU de 139 milhões de dólares – cerca de 119 milhões de euros.

Quem paga o quê? A questão financeira é um problema constante para a ONU. Mas quem contribui para o desenvolvimento desta instituição?

No ano passado, Donald Trump era claro nas críticas. “Os Estados Unidos são um dos 193 países da ONU. E, ainda assim, arcamos com 22% de todo o orçamento e mais”, disse, chegando até a cortar o financiamento de alguns órgãos da instituição.

O financiamento da ONU é dividido em duas principais categorias: as contribuições calculadas e as voluntárias.

Depois, cada país contribui consoante o tamanho da sua economia. Não é de estranhar, então, que os Estados Unidos sejam o país que mais contribui. Recordemos ainda que, ao ser país-membro da ONU, o pagamento de contribuições faz parte das obrigações.

Já no que diz respeito às contribuições voluntárias, não há regras e, por isso, os países têm o direito de pagar o que quiserem.