‘Em todos os países a fragmentação política favorece os radicalismos’

Em entrevista ao SOL, o antigo presidente do Governo espanhol não esconde os seus receios com o Brexit, volta a defender a invasão do Iraque e fala sobre desafios futuros.

Com um à-vontade de quem já anda na política há largos anos, José María Aznar chegou à sala de espetáculos Vigadó – uma das mais emblemáticas de Budapeste, junto ao melodioso Danúbio -, uns minutos mais tarde do que o previsto. Mas o tempo de espera não demoveu a plateia, que aguardava com grande expetativa a conversa entre o ex-presidente do Governo espanhol e Nicolas Sarkozy, antigo Presidente francês, naquela que foi a última conferência dos encontros Inspiring Hungary, organizados pela Agência de Promoção de Investimento na Hungria (HIPA).

Depois de um debate animado sobre o passado, o presente e o futuro da Europa, Aznar conversou com o SOL sobre política nacional e internacional, o peso dos extremismos e as consequências das divisões na Europa.

Como vê esta crise política que se vive em Espanha? Espanha entrou num beco sem saída?

Temos dois problemas essenciais: um deles é o separatismo e o outro é a governabilidade. As dificuldades de governabilidade impedem-nos de enfrentar o separatismo. Em segundo lugar, impedem que se tome decisões políticas e económicas importantes para o futuro do país. No dia 10 de novembro teremos eleições pela quarta vez em quatro anos e creio que os cidadãos têm oportunidade para tentar unificar as coisas, para que os líderes façam os acordos necessários. Vamos ver o que acontece, a solução passa pelo povo.

E como vê o crescimento do Vox em Espanha?

O Vox é uma consequência da crise no Partido Popular. Tal como, em grande medida, os Ciudadanos. Se o Partido Popular se reconstruir – o que creio que irá acontecer – estes dois partidos irão ter menos apoio.

Acha então que o Partido Popular irá recuperar em breve?

Eu creio que é essencial um processo de reformulação do centro-direita em Espanha. E acredito que essa mudança será liderada pelo Partido Popular.

Voltando à questão da extrema-direita. Sem contar com o que se está a passar em Espanha, apenas a Irlanda, Luxemburgo e Malta não têm partidos de extrema-direita no Parlamento. O que diz isto sobre o estado da Europa?

Espanha, nos últimos 40 anos, desde a transição democrática, não teve um problema com a direita, mas sim com a esquerda. Quando os partidos centrais se fragmentam, surgem grupos à direita e à esquerda, mais ou menos radicais. Estes são fenómenos generalizados. A fragmentação política é um fenómeno que ocorre em todos os países do mundo e que favorece os radicalismos.

Mas por que razão estamos a assistir agora ao crescimento de tantos movimentos destes?

Porque as situações políticas mudaram. Estão a ser vividas crises nos sistemas institucionais das democracias, nas democracias em si, nas lideranças políticas… E isso é consequência, em parte, da última crise económica e, por outro lado, da revolução digital que estamos a viver. As sociedades estão a fragmentar-se politicamente, economicamente, culturalmente e mediaticamente. Esta fragmentação traduz-se em dificuldades de governabilidade. No caso de Espanha, tudo isto é fruto de uma evolução política que, creio eu, não trouxe quaisquer vantagens para o país e para o povo. Só trouxe desvantagens.

O Reino Unido deverá sair da União Europeia já no final deste mês. Quais serão as principais consequências do Brexit para Espanha e Portugal?

No caso de um Brexit duro, as consequências não serão boas. O número de residentes britânicos em Espanha é o segundo maior da União Europeia – 400 mil britânicos vivem em Espanha atualmente. Espanha recebe 14 ou 15 milhões de turistas britânicos todos os anos. Há centenas de milhares de espanhóis que vivem em Inglaterra. Além disso, Portugal e Espanha, que são dois países com forte ligação ao Reino Unido, irão perder na União Europeia um sócio da Aliança Atlântica. Para a Europa no seu todo, esta também não é uma boa notícia – é a primeira vez que sofre uma divisão desta dimensão. 

Falou num Brexit duro, mas não se coloca a hipótese de ocorrer uma saída leve?

A lógica do Brexit é que seja duro. Claro que o desejável era que ocorresse um Brexit leve, mas o problema é que se for leve não é um Brexit (risos). Como não apoio o Brexit, prefiro a versão mais leve… Mas não seria um Brexit.

O início da guerra no Iraque foi ditado na cimeira da Base das Lajes, nos Açores, em 2003. Sabendo o que sabe hoje – o facto de não existirem armas de destruição maciça e de, em parte, por conta deste conflito terem surgido grupos como o ISIS – teria feito tudo igual?

Bom, eu hoje em dia sei que o Real Madrid foi campeão 13 vezes, mas antes seria impossível prever isso… Este momento só pode ser entendido, se o analisarmos tendo em conta o que aconteceu a 11 de setembro de 2001 [ataque perpetrado pela Al-Qaeda, que matou quase 3000 pessoas]. Depois desse acontecimento, o terrorismo e tudo o que isso significa converte-se num elemento essencial, numa prioridade dos estados. Para Espanha, já o era na altura, mas para muitos outros não. Com todos os riscos que isso acarreta, a extensão do terrorismo levou a esta tomada de decisão. Segundo, nessa decisão pesou fundamentalmente a necessidade de manter a solidariedade entre os países, a solidariedade dentro da NATO, do mundo ocidental. E eu decidi manter esse princípio de solidariedade. Terceiro, penso sempre nos interesses do meu país. E esses dependem também da segurança no mundo ocidental. Outra coisa distinta foi a evolução dos acontecimentos.

Mas a verdade é que a principal razão apresentada pelos Estados Unidos da América para a invasão do Iraque – a existência das armas de destruição massiça – era falsa.

Podemos estar de acordo ou não, mas a decisão está tomada. É mais importante hoje pensar nas consequências da retirada prematura, estamos agora a ver as consequências disso mesmo. As decisões estratégicas nunca são perfeitas, têm sempre as suas vantagens e desvantagens. E agora temos de ver como lidamos com as questões que surgiram entretanto, como o problema nuclear no Irão ou a guerra devastadora na Síria. Isso talvez pudesse ter sido evitado se os EUA tivessem mantido tropas no Iraque. 

Este episódio mostra que devemos aprender com o passado?

A História serve para nos dar lições.

Em 2008 disse que era contra os  ‘porta-estandartes do apocalipse causado pelo aquecimento global, que procuram restringir as liberdades individuais em nome de uma causa, tal como os comunistas fizeram’. Mantém a mesma posição?

Estou contra todas as formas de fundamentalismo. Há duas questões muito importantes que têm de ser abordadas. Uma delas são as consequências da revolução digital – que afeta inúmeras áreas, como a política, a economia e a cultura – e a outra é a questão da transição energética, pois é necessário termos um mundo mais limpo no que diz respeito a questões energéticas, por forma a evitar alterações climáticas. No entanto, sou contra o fundamentalismo ambiental. Não acredito que se possa dizer todos os anos que vem aí o apocalipse. Sou a favor de que se tomem medidas muito claras na área da energia, para termos um meio ambiente mais limpo. Mas não podemos condenar milhares de milhões de pessoas de outros países à miséria, à pobreza, à obscuridade e a morrerem miseravelmente à conta da questão da transição energética.

Parece-lhe mesmo que está a haver um exagero na abordagem deste problema?

Vou dar-lhe exemplos: no programa ambiental das Nações Unidas de 1980 era dito que, e passo a citar, «se os governos não atuarem imediatamente, no ano 2000 teremos uma catástrofe ambiental total, comparável a uma devastação nuclear irreversível». Nos anos 60 dizia-se que o mundo tinha de ter crescimento zero porque só consegui aguentar com dois mil milhões de pessoas. Já ultrapassámos esse número e conseguimos até desenvolver ‘pequenas’ coisas chamadas tecnologia e progresso. O fundamentalismo não nos leva a nenhum sítio. Temos de fazer o possível para melhorar as coisas e eu creio que é possível melhorar muitas coisas. Mas não podemos cair em alarmismos.

Os líderes europeus deviam fazer mais no combate às alterações climáticas?

Quando era presidente firmei o protocolo de Quioto [tratado internacional com compromissos mais rígidos para a redução da emissão dos gases]. Não tenho problemas nesse sentido. Agora, tenho problemas em aceitar esta questão como algo fundamentalista. Todos os fenómenos radicais querem a destruição da sociedade livre. Já reparou que na China não protestam contra a poluição? Esses protestos só acontecem nas sociedades livres.

Então acha que as nações unidas também não deveriam dar palco a pessoas como a Greta Thunberg?

Quantos anos tem a Greta?

Dezasseis, julgo eu…

E por que não está na escola? 

Então concorda que se está a dar demasiada importância a esta adolescente?

[fica em silêncio com um encolher de ombros]

Que balanço faz da Geringonça em Portugal?

Os portugueses votaram e decidiram o que queriam. Eu sou amigo de Portugal e não falo sobre as questões [políticas] do país.

Nem do trabalho de António Costa como primeiro-ministro?

Os portugueses tiveram agora a oportunidade de votar e de dizer o que pensavam sobre isso.