Novos tempos pós-eleitorais

Os resultados eleitorais merecem reflexão, é certo, mas trazem, desde já, constatações e consequências. Os próximos tempos serão férteis em agitação política na configuração e estabilidade do apoio ao Governo, na adaptação do Parlamento a uma nova realidade pluripartidária e na reação do CDS e do PSD. O crónico aumento da abstenção sublinha a crescente…

Os resultados eleitorais merecem reflexão, é certo, mas trazem, desde já, constatações e consequências. Os próximos tempos serão férteis em agitação política na configuração e estabilidade do apoio ao Governo, na adaptação do Parlamento a uma nova realidade pluripartidária e na reação do CDS e do PSD.

O crónico aumento da abstenção sublinha a crescente indiferença dos portugueses em relação às escolhas políticas. Várias causas conjunturais se podem apontar, mas o que é relevante é a tendência crescente mesmo com o aumento das alternativas partidárias aparentemente incapazes, tal como os partidos tradicionais, de captar o interesse dos abstencionistas (na maioria jovens).

A vitória do Partido Socialista foi inequívoca, mas ainda assim, muito longe da reivindicada maioria absoluta que se esfumou entre casos como o das golas da proteção civil ou de Tancos e também como consequência de uma campanha sem brilho.

Os outros partidos que suportaram o Governo sofreram as consequências desse apoio. O Bloco de Esquerda, ao contrário das expectativas criadas, diminuiu a sua expressão eleitoral apesar de ter conseguido manter o número de deputados e o PCP pagou caro o apoio ao Governo com uma diminuição expressiva do peso eleitoral e do número de deputados.

O PSD teve uma derrota muito pesada, não tanto se comparados os resultados com as expectativas ou com algumas sondagens, mas o que importa é a percentagem de votos e nesse plano o resultado foi muito mau. A situação do PSD merece, sem dúvida, reflexão, mas também reação com ponderação e profundidade que não se traduza em frenesim.

O CDS terá tido a mais significativa derrota da noite eleitoral, pagando o preço da ambição de quem pretendeu transformar-se num partido com uma abrangência que nunca teve.

A principal novidade destas eleições foi a entrada no Parlamento de novos partidos. O que já tinha acontecido na maioria dos países europeus verificou-se agora em Portugal. Entre partidos que colocam em causa o sistema e novas formas de fazer política, esta renovação era inevitável e contribui para a saúde e vitalidade da democracia.

O sistema político português está formatado para resistir à afirmação de novos partidos. Tal explica que apenas nos grandes círculos eleitorais se tenha verificado a entrada de novos partidos. Embora estas formações partidárias tenham um discurso urbano, mesmo se assim não fosse, na atual configuração dos círculos eleitorais há casos que 15 ou até 20% de votos são insuficientes para a eleição de um deputado.

O surgimento de novas representações parlamentares suscita também a necessidade de adaptações no funcionamento do Parlamento e pressionará a reforma do sistema de representação há muito reclamada.

Os próximos tempos serão de oportunidade para fortalecer a democracia. A abstenção deve merecer particular atenção. A participação nas eleições constitui um dever de cidadania e o incumprimento desse dever deve ser penalizado. Por outro lado, o sistema eleitoral deverá ser adaptado à participação mais plural e a uma representação mais equilibrada.

A afirmação dos novos partidos deve contagiar os partidos tradicionais normalmente resistentes à inovação e à regeneração na forma como se organizam – abrindo-se, de facto, à sociedade, por exemplo, através da participação efetiva de simpatizantes nas decisões, mas também nos conteúdos programáticos – dando respostas para problemas concretos, nomeadamente urbanos. O sucesso dos novos partidos demonstra que a mudança é inevitável. Não há partidos eternos tal como não há sistemas políticos imutáveis. E só estamos no início.