Escolas. Alunos passam fome com refeições vegetarianas

Ordem dos Nutricionistas alerta para a falta de profissionais nas escolas públicas

A oferta do prato vegetariano é obrigatória nas cantinas escolares desde 2017 – e há orientações da Direção-Geral de Educação para garantir o equilíbrio nutricional dos menus -, mas as refeições que têm vindo a ser servidas aos alunos motivam reclamações desde o pré-escolar ao ensino superior.

De acordo com um levantamento feito pela Agência Lusa, há estabelecimentos de ensino onde os pratos principais de almoço de dieta vegetariana se resumem a "salada de alface com cenoura" ou "batata e feijão-verde cozido". No agrupamento de escolas de Benfica, em Lisboa, uma mãe terá mesmo sido aconselhada por uma funcionária a "mandar um reforço para o almoço do filho", que anda no quinto ano, devido à "pobreza de proteínas nas refeições", compostas essencialmente de legumes e sem os habituais substitutos da carne e do peixe: tofu, seitan e soja. "Disse-me que era uma prática habitual entre os vegetarianos [levar um reforço alimentar], depois de alguns casos em que sentiram fraqueza nos intervalos, e que a escola não compra tofu, seitan e soja por ser mais caro", contou Maria Aleixo.

No mesmo agrupamento, o menino Elias "chegava muitas vezes a casa com fome" no último ano letivo, quando frequentava o jardim de infância, de acordo com as palavras da mãe, Dragana Djokovic. "Durante os três primeiros meses, só comia sopa, arroz branco e massa. Às vezes, a educadora dava-lhe duas sopas para ele não ficar com fome, ou então fazia sandes especiais de pão com alface ou com legumes. Depois passou a haver opção vegetariana, mas por vezes a educadora recusava-se a servir-lhe o prato porque tinha mau aspeto. Nunca havia soja nem tofu, porque a cozinheira não sabia confecionar esses alimentos", realça a encarregada de educação, frisando que o cenário mudou para melhor este ano, com Elias já no primeiro ano do ensino básico: "As ementas são mais equilibradas e variadas e têm mais proteínas".

As refeições no pré-escolar e 1.º ciclo são da responsabilidade das respetivas autarquias, sendo os restantes anos letivos do Ministério da Educação. Questionado sobre a quase total ausência de refeições com tofu, seita ou soja nas refeições, este organismo respondeu que "as ementas são definidas seguindo as Orientações sobre Ementas e Refeitórios Escolares".

O presidente da Associação Portuguesa de Vegetarianos, Nuno Alvim, confirmou que as refeições escolares continuam a ser uma preocupação de muitos pais e alunos que se queixam "da pobreza nutricional, da monotonia dos pratos e da forma como os pratos são cozinhados". Palavras corroboradas por Pedro Costa, aluno da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Nova de Lisboa. "Os pratos servidos são repetitivos e consistem em arroz branco ou massa com legumes. Além disso são quase sempre os mesmos legumes e poucas ou nenhumas leguminosas. São pratos pobres nutricionalmente e por vezes, a ementa afixada nem sequer corresponde ao prato que é efetivamente servido", salienta o aluno do ensino superior, frisando que a qualidade da opção vegetariana se tem "vindo a degradar": "Inicialmente serviam pratos mais variados, com seitan, tofu, chouriço de soja. Mas nos últimos três anos, a qualidade piorou muito".

Já a bastonária da Ordem dos Nutricionistas, Alexandra Bento, ressalvou a importância de uma dieta vegetariana equilibrada e variada, dado que "o crescimento e desenvolvimento cognitivo das crianças e jovens podem ficar condicionados", e alertou para a falta de nutricionistas nas escolas para controlar as refeições, lembrando que o Ministério da Educação tem apenas dois especialistas, precisamente os autores das "Orientações sobre Ementas e Refeitórios Escolares". "Têm feito um trabalho de excelência, mas são poucos", salientou a bastonária, frisando ser necessário haver "quem garanta que as normas estão a ser aplicadas".

No entender da Ordem, "deviam ser contratados, de imediato, 30 nutricionistas". "Este reforço permitiria assegurar uma alimentação equilibrada, saborosa e apelativa para todas as crianças que almoçam nos refeitórios, mas também para as que optam pelos bares ou máquinas de venda automática", frisa Alexandra Bento, lembrando que esta proposta foi apresentada no ano passado à então secretária de estado Alexandra Leitão, que na altura a considerou "importante e estruturante"; desde então, todavia, "não houve mais desenvolvimentos".

À Lusa, a tutela revelou que "a proposta feita pela Ordem dos Nutricionistas está em análise nos serviços do ME, carecendo agora de uma avaliação de impacto e oportunidade como todas as propostas desta natureza". O organismo sublinha ainda que a fiscalização do cumprimento das ementas compete às escolas, alertando para a existência de um sistema de comunicação de reclamações que são objeto de análise pelas delegações regionais de educação".

No ano letivo de 2017/2018, a quantidade servida aos alunos motivou 263 denúncias e a qualidade das refeições 163 queixas. O ministério criou entretanto equipas mistas para supervisionar a oferta alimentar nas escolas, mas a Ordem dos Nutricionistas e os diretores escolares consideram que o maior problema está na dimensão das mesmas: as equipas de fiscalização nas Direções de Serviço de Região Norte, Centro e Lisboa Vale do Tejo têm apenas quatro elementos cada, e as das regiões do Alentejo e do Algarve só dois elementos cada. No seu primeiro ano de existência, estas equipas visitaram 77 cantinas, num universo de mais de 700; por agora, o resultado do trabalho realizado no passado ano letivo ainda não é conhecido.