Guiné-Bissau. Droga, fraude 
ou golpe 
de estado?

A um mês das eleições presidenciais, o Presidente da Guiné-Bissau suspeita que o Governo esteja envolvido em tráfico de droga e a fraude eleitoral. Enquanto isso, o primeiro-ministro fala numa tentativa de golpe de Estado.

A menos de um mês das eleições presidenciais da Guiné Bissau, marcadas para 24 de novembro, a arena política parece prestes a estourar. Num país considerado o primeiro narcoestado africano, a oposição acusa o primeiro-ministro Aristides Gomes de fraude eleitoral e tráfico de droga. Gomes – que apoia a candidatura do líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira –, por seu turno, ainda na semana passada denunciou no Facebook a «preparação de um golpe de Estado».
Face a esta troca de acusações, o Presidente do país, José Mário Vaz, candidato à reeleição, mantém a certeza de que as tropas lhe são leais, disse ao SOL fonte próxima da candidatura. Em comunicado, o Presidente criticou as «intenções no mínimo duvidosas» na atualização de última hora dos cadernos eleitorais pelo Governo. E prometeu que Forças Armadas «saberão estar à altura da situação», num momento em que «alguns personagens» se preparam «para agir de forma menos democrática».

Além disso, José Mário Vaz também deu a entender que existe uma relação entre o Governo e as redes de narcotráfico no país. «No pouco tempo que se formou esse último Governo, começámos a assistir a esse flagelo da droga», declarou esta semana o Presidente, em entrevista ao Jornal de Angola. «Porque é que agora esse problema ressurge?», questionou, mencionando relatos do «levantamento de alguns postos de controlo para facilitar a entrada de droga».
Já passou mais de uma década desde que a Guiné Bissau foi apelidada de narcoestado pelas Nações Unidas, que consideraram o país uma das maiores portas de entrada de cocaína em África. Entretanto, desde 2013, quando os norte-americanos da DEA capturaram o almirante guineense José Bubo Na Tchuto, as apreensões de droga diminuíram.
Na Tchuto era apontado como um dos principais intermediários entre o Estado guineense e os narcotraficantes da América Latina – cujos produtos que passam pela Guiné Bissau vão frequentemente parar às mãos de grupos extremistas islâmicos, alguns afiliados à Al Qaeda. Especialistas apontam que a detenção deslocou parte do tráfico para outros países da região – mas a maioria dos traficantes terá simplesmente começado a ser menos imprudente e passar debaixo do radar.

Contudo, a apreensão de 1,8 toneladas de cocaína pelas autoridades guineenses, em setembro – quebrando o seu próprio recorde de droga apreendida, pela segunda vez em seis meses – cimentou a perceção de um crescimento do narcotráfico, com a bênção do Governo.

O facto de o atual primeiro-ministro já ter sido acusado pela justiça guineense de tráfico droga não ajuda a afastar esses receios. Em 2006, durante o seu primeiro mandato como primeiro-ministro, Aristides Gomes terá ordenado ao seu secretário de Estado da Ordem Pública, Mamadú Saico Djaló, que vendesse 10 kg quilogramas de cocaína apreendidos numa rusga, num valor de mais de 100 mil euros, segundo se lê na acusação do Ministério Público, a que o SOL teve acesso.

O processo acabou por não ir para a frente, mas as suspeitas continuam a assombrar Aristides Gomes – e alimentar as atuais acusações. Em relação ao assunto, o primeiro-ministro assegurou, num comunicado a que a Lusa teve acesso, que as acusações de envolvimento governamental no narcotráfico são fruto de «falta de raciocínio lógico», dado que «seria incoerente» que o mesmo Governo que «faz apreensões recordes de droga seja beneficiário daquela prática criminosa». 

Uma frente comum

Entretanto, tem sido mobilizada uma «Marcha popular para reposição de legalidade na Guiné Bissau», agendada para este sábado, na capital, Bissau. Segundo a convocatória, que está a circular no WhatsApp, o objetivo é protestar contra «eleições fraudulentas», consequência da «alterção de cadernos eleitorais pela Comissão Nacional de Eleições», às ordens de um Governo «de traficantes de droga».

O apelo partiu do Partido de Renovação Social (PRS), do APU-PDGB – até recentemente aliado parlamentar do PAIGC – e o Movimento para a Alternância Democrática (Madem-G15), cujo líder, o general Umaro Sissoco Embaló, foi acusado por Aristides Gomes de ser o cabecilha da alegada tentativa de Estado contra si, a semana passada. «É uma forma de fazer perder as notícias sobre a droga», declarou à Lusa Embaló, uma das vozes mais sonantes quanto ao alegado envolvimento criminoso do Governo.

«Eu, o José Mário Vaz, Carlos Gomes Júnior [candidato independente] e o Nuno Nabian [candidato do APU-PDGB com o apoio do PRS] estamos juntos», declarou o líder do Madem-G15, que acusou o PAIGC de ser «um partido da intriga e do complô»

Já o líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira, viu a denúncia da alegada tentativa de golpe de Estado como «um gesto de responsabilidade». E assegurou em comunicado: «Tenho essa garantia por parte do primeiro-ministro, que evidências bastante fortes serão colocadas à disposição do público». O líder do PAIGC aproveitou para criticar a falta de reação do Presidente à denúncia – algo que para Simões Pereira é de «bradar aos céus».

Velhos adversários

A política da Guiné Bissau sempre nos habituou a alianças frágeis e lealdades em constante mudança. E a crispação entre o Presidente e o líder do PAIGC – a força política dominante no país desde a independência – não é de hoje. Apesar de José Mário Vaz ter sido eleito como candidato do PAIGC, em 2014, rapidamente se incompatibilizou com o líder do partido, Simões Pereira. Aliás, este ano o Presidente recusou empossar o líder do PAIGC como primeiro-ministro, depois de o partido de Simões Pereira vencer as legislativas de 10 de março, ainda que sem maioria absoluta.

«A coabitação entre os dois não seria boa nem para mim, nem para ele, nem para o país», assegurou na altura à RTP1 José Mário Vaz. Referia-se às diferenças políticas entre os dois, bem como um protesto em Bissau, em que o líder do PAIGC terá pedido aos militares para «abrirem alas» para as pessoas chegassem ao palácio da Presidência. Depois de meses de impasse, o Presidente acabou por aceitar empossar o segundo nome sugerido pelo PAIGC, Aristides Gomes – que em tempos rompeu com o partido, mas regressou.