90 anos depois, os mercados já não são o que eram

Passaram 90 anos desde o ‘crash’ de Wall Street, que resultou na maior crise económica dos Estados Unidos. Analistas explicam ao SOL como evoluíram os mercados, quais as maiores preocupações e se estamos perante uma nova crise financeira.

A 24 de outubro de 1929, a Bolsa de Valores de Nova Iorque teve o maior crash da história, resultando na mais devastadora crise económica que os Estados Unidos alguma vez conheceram, o período da Grande Depressão. A chamada Quinta-Feira Negra atingiu primeiro a economia norte-americana, mas depois espalhou-se pela Europa e por vários países da África, Ásia e América Latina.

90 anos depois muita coisa mudou. Pelo menos, é essa a opinião dos analistas contactados pelo SOL. «O acesso mais facilitado à informação permite que os investidores tenham uma maior noção da realidade. O que acontece é que também os mercados se movem com maior dinamismo devido a este fator», explicou Nuno Caetano, analista da corretora Infinox. «Tudo se move mais depressa, o que leva a que isso aconteça também nos mercados. Fatores como a inteligência artificial e a sua utilização nos mercados e nas suas operações faz também acentuar as diferenças entre investidor atual e o investidor de 1929. Hoje temos muitos investidores a operar também com o auxílio da robótica, que por si só muda radicalmente o paradigma do tipo de investidor de hoje em dia, comparado com o investidor de 1929», garante.

Também para Nuno Mello, head of sales da XTB, não há dúvidas nas grandes mudanças registadas ao longo destas nove décadas. «O investidor é hoje mais sofisticado, mais informado e melhor preparado». Ainda assim, deixa o alerta no que diz respeito ao comportamento das massas que, no seu entender, não registou grandes alterações neste período de tempo. «A maioria dos investidores continuam a reagir da mesma maneira perante situações de ganância ou de medo a que o mercado nos leva. Esse tipo de comportamento é intemporal e só uma reeducação financeira e disciplina permitem obter os skills necessários para reagir positivamente perante tais situações», considera.
Para o analista da XTB, o desenvolvimento tecnológico foi das maiores alterações dos últimos 90 anos até porque «permitiu a qualquer investidor, nos dias de hoje, utilizar softwares de tranding com histórico de cotações, preços em tempo real e uma panóplia de tipos de gráficos e indicadores». Juntam-se a introdução de algoritmos e robots de negociação automáticos, através dos quais é feita grande parte da negociação, acelerando reações.

Nuno Caetano defende que foram muitas as alterações desde o crash de Wall Street, com destaque para a internet que «veio democratizar o acesso aos mercados, onde qualquer investidor de retalho consegue aceder através de corretoras e das suas plataformas». Na opinião do analista, este veículo fez com que as pessoas conseguissem aceder a produtos de geografias diferentes e operar a qualquer momento e em qualquer lugar. «A grande mudança passa pela globalização da economia e pela evolução da tecnologia», defende.

Iminência de nova crise?
Talvez seja precipitado falar na iminência de uma nova crise, mas as mudanças no mercado bolsista podem fazer com que isso aconteça? Nuno Caetano considera que podemos «estar perante um período mais difícil para a economia». Tudo porque, no seu entender, as economias vivem ciclos e, «depois de uma década da última grande crise e de crescimento económico pós-crise, estamos perante alguns indicadores» que levam os analistas a acreditar em tempos difíceis para a economia. O analista garante que «os juros estão em mínimas, as bolsas estão a perder algum valor e a incerteza é elevada». Nesse sentido, garante, há dados menos favoráveis do comércio e da indústria e riscos geopolíticos que dão alguma contração das grandes economias como é o caso da Alemanha, Itália ou até Estados Unidos, Argentina ou China.

Já Nuno Mello, não tem dúvidas: «Neste momento existem vários fatores que poderão desencadear uma nova crise mundial devido ao efeito da globalização», nomeadamente a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China e o Brexit.

Recentemente o Fundo Monetário Internacional reviu em baixa a sua previsão de crescimento mundial para 3,2%, fator que pode gerar alguma preocupação.

«Os sinais de abrandamento económico refletem-se nos dados que têm vindo a ser divulgados. Como é óbvio, estes dados geram preocupação até porque já se percebeu que as medidas de estímulo fiscal que a Alemanha disse que iria implementar não serão suficientes», garante o head of sales da XTB. Também Nuno Caetano destaca as recentes tensões entre a China e os Estados Unidos, conflito que «escalou as preocupações para uma possível recessão económica». O especialista destacou ainda os problemas provenientes do Brexit e garante que «também o endividamento privado é um fator consequente para esta desaceleração».

Para Nuno Caetano, «o abrandamento económico é sempre uma preocupação para os bancos centrais e para os estados», destacando a necessidade de as tensões comerciais e o Brexit se resolverem.

Já Nuno Mello destaca que «a crise financeira ainda não se materializou até porque, apesar dos últimos dados macro mais alarmantes, o mercado laboral continua robusto e a taxa de desemprego em mínimos». Mas deixa o alerta: «A taxa de desemprego é, no entanto, um indicador. Quando os valores de desemprego atingem mínimos coincidem normalmente com o início duma recessão mas para já não passa dum presságio. Os bancos centrais já começaram a implementar medidas facilitistas, como cortes nas taxas de juro e programas de compra de ativos de modo de modo a impulsionarem de novo as economias».

Crise financeira 20 vezes pior

Mas mais do que uma crise bolsista estamos perante o risco de uma nova crise financeira. Os alarmes voltaram a soar com o relatório da consultora McKinsey, que garante que mais de metade dos bancos mundiais estão demasiado fragilizados para sobreviverem a uma crise. E dá uma explicação: a maioria dos bancos não são economicamente viáveis porque os retornos não estão a acompanhar o ritmo de aumento dos custos das operações. Como solução, a consultora recomenda ao setor bancário que invista no desenvolvimento de tecnologia e que pondere novas fusões.
A ideia é simples: através de fusões, as instituições financeiras ganham escala e, desta forma, mantêm-se competitivas. «Acreditamos que estamos no fim de um ciclo económico e os bancos precisam de tomar decisões ousadas, porque não estão em grande forma», disse Kausik Rajgopal, senior partner da consultora.

Para Pedro Amorim, analista da corretora Infinox, a nova crise financeira que possa surgir será «20 vezes mais danosa» que a do subprime, crise desencadeada em 2007 que começou nos Estados Unidos e rapidamente alastrou por toda a Europa – e dá dois motivos para isso: «os montantes em questão são claramente superiores e, passado mais de uma década, as coisas acontecem mais rápido devido à tecnologia. Temos quase 15% da dívida mundial com juros negativos – nunca antes visto», acrescenta.

Uma opinião partilhada por  Gonçalo Caeiro, account manager da XTB. «Sabemos que uma crise será inevitável, mas não sabemos a sua intensidade. Mas os países com maior endividamento estão sujeitos a consequências mais graves, como é o caso de Portugal», refere ao SOL. 

E estes dois analistas fazem ainda as contas ao valor que foi dado para ajudar os bancos portugueses. Feitas as contas, até ao final do ano passado, Portugal gastou aproximadamente cerca de 18 mil milhões de euros. E, segundo as contas de Gonçalo Caeiro, «estima-se que os contribuintes possam ajudar com mais 5,5 mil milhões de euros, o que irá perfazer um valor aproximado de 23,5 mil milhões de euros».

Essa verba, segundo os dois analistas, davam para pagar 27 pontes Vasco da Gama, construir 157 hospitais ou mesmo assumir os gastos durante dois anos do consumo doméstico de eletricidade.

Com Sónia Peres Pinto