A toda a velocidade

Estamos até dispostos a sacrificar a nossa saúde em troca de conteúdos.

É raro falar em telecomunicações sem abordar o tema da velocidade da ligação. Todos queremos que a internet responda mais depressa. Todos queremos ligações mais rápidas e quanto mais intensiva se torna a utilização da internet nos telemóveis, mais importante se torna o paradigma da velocidade. Foi esta a promessa do 3G, do 4G e agora do 5G. E uns mais cedo, outros mais tarde, todas as pessoas vão acabar por aderir e migrar para a nova realidade. Mas será o 5G uma evolução ou será que estamos perante uma revolução?

O facto da promessa não ser nova, das operadoras sempre terem insistido no tema da velocidade, tem um efeito de Pedro e o lobo. Não é fácil convencer as pessoas que desta é que é, mesmo apesar das diferenças notórias para as anteriores gerações. No que toca a velocidade queremos imediatismo, esperar é desesperar. Objetivamente o 5G tem capacidade para entregar muito mais do que a atual geração, dispensando a necessidade dos fios. E por aqui, as pessoas vão perceber mais facilmente uma grande transformação. 

O fator mais importante, e tangível, será a forma como vamos consumidor conteúdos. Hoje damos mais importância aos conteúdos do que, por exemplo, a cuidados de saúde. De acordo com um estudo do grupo Havas, realizado em trinta e sete países e que reuniu a opinião de mais de dezassete mil pessoas, 83% dos inquiridos considera o entretenimento uma necessidade vital, mas só 54% declara prestar muita atenção aos cuidados de saúde. Estamos até dispostos a sacrificar a nossa saúde em troca de conteúdos, já que 56% admite preferir e praticar bindge watching – ver episódios normalmente da mesma série em catadupa – a dormir! E nas gerações mais novas são cerca de 40% os que afirmam não conseguir viver sem netflix.  

Com toda a certeza há aspetos muito negativos perante esta nova realidade. Queremos o aqui e o agora como nunca e interessa pouco a tecnologia que torna possível essa realidade. O que não é de todo possível, pelo menos enquanto o fator humano fizer parte da equação. E vai continuar a fazer, até porque evoluímos no sentido do consumidor, que é produtors e também distribuidor. Ninguém quer o conteúdo só para si. Seja por autopromoção ou por vontade genuína de partilhar o melhor de nós, do que somos, sabemos ou temos acesso queremos partilhas com os outros, muitas vezes com o mundo. 55% dos inquiridos da geração Z, pessoas com idade inferior a trinta anos, admitem que sentem a necessidade de entreterem permanentemente amigos, família e até os colegas de trabalho. Mas entretenimento não implica apenas proporcionar momentos de diversão e descontração. 88% considera que é missão do entretenimento educar e capacitar mais as pessoas em áreas como a criatividade, a rapidez de raciocínio, capacidade de resolver problemas, autoconfiança e colaboração. 

A exigência do 5G e o argumento da velocidade é indissociável da experiência que nos vai proporcionar no consumo de conteúdos. Somos cada vez mais exigentes, a expetativa é cada vez maior e a velocidade de uma rede depende sobretudo da nossa perceção e da experiência que vamos conseguir usufruir. Interessa muito pouco a promessa das dezenas ou centenas de mega ou gigabits. O que vai ditar se estamos perante uma evolução, e certamente que vamos notar diferenças para o atual padrão, é forma como a essa diferença se traduz na experiência dos conteúdos e do nível de entretenimento que proporciona. A forma como a nova geração se relaciona com os conteúdos é revolucionária face às anteriores. O 5G só tem que corresponder às suas expetativas. O que não é nada fácil.