As prioridades do governo no próximo mandato

O programa de Governo – discutido na quarta e na quinta-feira no Parlamento – trouxe poucas novidades face ao leque de medidas previstas no programa eleitoral do PS. No entanto, o documento inclui algumas medidas que eram reclamadas pelos partidos da esquerda e pelo PAN.

Fim de chumbos deixa escolas apreensivas

O Governo quer acabar com os chumbos dos alunos do ensino básico, ou seja, do 1.º ao 9.º ano. «Criar um plano de não retenção no ensino básico, trabalhando de forma intensiva e diferenciada com os alunos que revelam mais dificuldades», é esta a medida que se lê no programa do Governo discutido na semana passada no Parlamento. Sem conhecer detalhes, apesar de não discordarem totalmente da medida, as escolas e as famílias estão apreensivas com a forma com que o Governo vai aplicar a medida no terreno. «O princípio é correto e não faz sentido manter tudo como está» mas «se há alunos que não conseguem acompanhar a corrida, é preciso um plano de trabalho diferenciado» alerta o presidente da Confederação Nacional de Associações de Pais (Confap), Jorge Ascensão. Mas em declarações ao Correio da Manhã, o representante dos pais fez saber que não concorda com passagens administrativas, ou seja, transições obrigatórias de ano de escolaridade. Também ao SOL o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima, alertou que «para reduzir o insucesso escolar é preciso reforçar o apoio dos alunos com dificuldades».

Salário mínimo de 750€ é pouco para sindicatos

 

Após a tomada de posse, a primeira medida anunciada por António Costa é a subida do salário mínimo dos 600 euros para 750 euros mensais. Um aumento que o primeiro-ministro quer concretizar de forma gradual ao longo dos quatro anos de legislatura sendo já discutido na quarta-feira em reunião de Concertação Social. A Confederação Empresarial de Portugal (CIP), não rejeita por completo este aumento considerando que o valor é «razoável», mas António Saraiva alerta que esta medida «ambiciosa» tem de ser acompanhada por uma «ambição igual» na criação de condições que levam ao crescimento das empresas. Já os antigos parceiros do PS na geringonça, o PCP e o BE, defendem que o salário mínimo deve ficar acima dos 750 euros. Os bloquistas defendem, aliás, que em janeiro de 2020 o valor seja fixado nos 650 euros e os comunistas dizem que o valor é «insuficiente» e querem chegar ao fim da legislatura com um salário mínimo de 850 euros. O mesmo valor é defendido pela CGTP e a UGT diz que está disponível para chegar a acordo a médio prazo de forma a que sejam fixados patamares até à meta de 800 euros em 2023.   

Exclusividade no SNS e pactos de permanência

Na área da Saúde, o Governo quer recorrer ao regime de exclusividade e aos «pactos de permanência» para aumentar os recursos humanos no SNS. Os pactos de permanência passam pela fixação obrigatória dos médicos no SNS, depois de concluírem a sua formação e durante um determinado período. Uma medida que os estudantes de Medicina dizem ser «incompreensível», defendendo que os pactos de permanência deviam ser de caráter opcional. A dedicação exclusiva que esteve em vigor até 2009 passa por incentivos atribuídos aos médicos que trabalhem em exclusivo no SNS. Um sistema que é defendido pela Ordem dos Médicos. Além disso, António Costa compromete-se em «não fazer nenhuma nova Parceria Público-Privada (PPP) na gestão clínica num estabelecimento em que ela não exista». Recorde-se que as PPP foram uma das medidas que mais dividiu o PS e o BE. O Executivo quer ainda «alargar a cobertura de medicina dentária no SNS, através de centros de saúde e em colaboração com os municípios» e «eliminar, faseadamente, o pagamento de taxas moderadoras», sobretudo nos cuidados de saúde primários, e nas outras prestações de cuidados caso exista «uma referenciação do SNS».  

Mais apoios sociais e para as crianças

O Governo quer baixar dos sete para os dois anos a idade limite para o acesso ao cheque dentista, lançado em 2009 pelo Governo de José Sócrates. Desta forma, o Governo acredita ser possível «a observação e deteção precoce de problemas de saúde oral». Podem beneficiar do cheque dentista, com um valor fixo de 35 euros, todas as crianças até aos 18 anos, com famílias carenciadas e  que frequentem escolas públicas ou  IPSS. Estão ainda abrangidas grávidas, reclusos, idosos ou pessoas infetadas com VIH. No passado ano letivo (2018-2019) foram atribuídos um total de 346.134 cheques dentista, segundo a DGS. A Ordem dos Médicos Dentistas aplaude a medida do Governo e defende que o cheque dentista deve ser atribuído a todas as crianças, incluindo as que frequentem as escolas privadas. Além disso, o Governo quer criar um complemento-cheque, atribuindo um apoio financeiro a todos os portugueses que tenham  mais de dois filhos na creche. Outro dos apoios previstos no programa de Governo é a criação de um vale de pagamento de óculos que será atribuído a todas as crianças até aos 18 anos e a pessoas com mais de 65 anos, desde que sejam «beneficiárias do rendimento social de inserção». 

Revisão das carreiras da Função Pública

O Governo quer rever as carreiras especiais da Função Pública. Estão incluídas aqui, por exemplo, as carreiras dos professores, polícias, médicos, enfermeiros ou oficiais de Justiça e militares e juízes. Uma intenção já antiga do Executivo mas que não chegou a avançar. Agora, «o debate em torno das carreiras da Administração Pública é inevitável», frisa o programa de Governo, acrescentando que as progressões dos trabalhadores do Estado «custam todos os anos 200 milhões de euros». Deste valor, «quase dois terços [66%] é gasto em carreiras especiais em que o tempo conta no processo de progressão» sendo que este valor é canalizado para cerca de «um terço [33%] dos trabalhadores do Estado». Um «desequilíbrio» que «deve ser revisitado», frisa o Executivo que criou, aliás, um novo Ministério para tratar dos assuntos da Função Pública, que sai da tutela das Finanças. Já em 2017, o ministro Mário Centeno admitira que há 80 carreiras que devem ser revistas para que sejam «sustentáveis financeiramente». Agora, o Governo volta a avisar que o aumento da despesa com a Função Pública «não pode continuar a limitar a política salarial na próxima década e a impedir uma política de incentivos». 

Revisão nos escalões do IRS e apoios a filhos

O Governo comprometeu-se a manter a política de devolução de rendimentos através da revisão dos escalões de IRS. No entanto, não explicou como essa alteração será feita. O PCP já tinha defendido o alargamento para dez escalões, enquanto o BE acenava com a intenção de introduzir maior progressividade neste imposto. Ao mesmo tempo, o Executivo quer aumentar as deduções fiscais do IRS em função do número de filhos, e não em função do rendimento das famílias. Neste momento, as famílias com dependentes menores de idade têm uma majoração de 126 euros por criança com menos de três anos, além da dedução fixa de 600 euros por dependente. Agora, a ideia é que, a partir do segundo filho, esta majoração passe para 300 euros. No campo da fiscalidade verde, o Governo quer eliminar isenções e benefícios fiscais associados aos combustíveis fósseis e isenções de taxa de carbono, de forma a impulsionar «a transição energética e de descarbonização da sociedade». Como incentivos fiscais à inovação, o Governo prevê a devolução integral do IVA pago pelos centros de investigação sem fins lucrativos, mas apenas para a compra de determinados equipamentos. Está ainda prevista uma tarifa social de acesso de serviços de acesso à internet.

Reforma do sistema político na gaveta

O programa eleitoral do PS previa a reforma do sistema eleitoral para o Parlamento, mas esta versão desapareceu do texto do Governo, aprovado no passado fim de semana e sem rejeição no Parlamento. «Reformar o sistema eleitoral para a Assembleia da República, introduzindo círculos uninominais, sem prejuízo da adoção de mecanismos que garantam a proporcionalidade da representação partidária, promovendo o reforço da personalização dos mandatos e da responsabilização dos eleitos, sem qualquer prejuízo do pluralismo», podia ler-se no texto que foi a votos no passado dia 6 de outubro. Agora, a proposta ficou pelo caminho. Há quem admita que esta omissão serviu, sobretudo, para agradar aos parceiros de esquerda da anterior Legislatura, o PCP e o Bloco de Esquerda. A única versão que ficou de um texto para o outro foi a de promover «a participação dos cidadãos, renovando e qualificando a classe política, aproximando a legislação dos seus destinatários». De realçar, que a reforma do sistema eleitoral tem sido defendida no PS, ao longo dos anos,  mas o processo nunca se concretizou por falta de consenso.

Aficionados indignados com Governo 

Uma das novidades do programa do Governo é «elevar a idade mínima para espetáculos tauromáquicos». A medida não constava do programa eleitoral do PS e vai ao encontro das pretensões do PAN, mas também do Bloco de Esquerda e do Livre que são favoráveis à proibição das corridas de touros em Portugal. Os aficionados já contestaram a intenção do Executivo liderado por António Costa. AoSOL, Hélder Milheiro, da PróToiro, garante que tem «recebido muitas mensagens de crianças e adolescentes indignados com a ideia de o Estado proibir a sua entrada nas corridas de toiros». Os defensores das touradas classificam a proposta como «discriminatória» e «um atentado contra os menores e contra a liberdade parental, querendo proibir os pais de escolherem onde levam, ou não, os filhos». Atualmente, a idade mínima é de 12 anos. O programa do Governo diz apenas que pretende elevar a idade. O Parlamento discutiu na última legislatura um projeto de lei do PAN para proibir os menores de 18 anos de assistir a corridas de touros, mas foi chumbado. Os diplomas contra as touradas contam, geralmente, com o apoio do PAN, Bloco e PEV. Alguns deputados socialistas também querem acabar com as touradas.