Montepio. Já se fala em eleições

A renúncia de Tomás Correia não implica, estatutariamente, a convocação de eleições. Mas já começaram as movimentações, as conspirações e a contagem de espingardas.

O antigo homem-forte da Moderna voltou a promover um encontro de lóbistas na quarta-feira, no Hotel Altis, para definir a estratégia para as próximas eleições para os órgãos sociais da Associação Mutualista Montepio. José Braga Gonçalves sempre patrocinou candidaturas concorrentes de Tomás Correia, mas acabou por sair sempre derrotado. Para já, o candidato a apoiar pelo grupo afeto a Braga Gonçalves ainda não está definido, mas deverá ser conhecido nas próximas semanas.

O SOL sabe que Braga Gonçalves não é associado, mas estará a juntar um grupo coeso para poder concorrer à liderança. Porém, ao que o SOL apurou, quem pretender ganhar a liderança da mutualista terá de ganhar a estrutura interna da associação. Fonte interna da mutualista garante que «historicamente, quem ganha as eleições são listas que que veem de dentro da associação».

Em causa está a saída de Tomás Correia da liderança da associação mutualista – anúncio feito dia 24 de outubro – por considerar que existia «um ataque do legislador a uma instituição privada e a ele próprio» – uma decisão que apanhou todos os membros do conselho de surpresa, apurou o SOL.

A saída irá acontecer a 15 de dezembro e Tomás Correia será substituído por Virgílio Lima, que tem um currículo associado à gestão na seguradora Lusitânia e é atualmente vogal do conselho de administração.

Ribeiro Mendes, que liderou uma das listas de oposição nas últimas eleições à associação mutualista, defende que haja eleições para todos os órgãos, o mais rápido possível. Ainda assim, diz ao SOL que «é preferível que Tomás Correia saia pelo próprio pé a estar à espera da resposta da idoneidade por parte da ASF, que claramente iria ser desfavorável, o que iria criar um maior clima ainda de desconfiança em torno da associação», lembrando que «os problemas continuam a ser muitos e as preocupações em torno da solvabilidade da mutualista também».
No entanto, o ex-candidato lembra que as atenções estão viradas para a próxima assembleia-geral da associação, que está marcada para dia 4 de novembro. Em cima da mesa neste encontro está a aprovação dos novos estatutos da mutualista. 

A opinião é semelhante à de António Godinho, também ele ex-candidato à liderança da entidade, que discorda da revisão dos estatutos, assim como tem dúvidas em relação às eleições para a assembleia dos representantes. 
Ao SOL, o ex-candidato também defende eleições antecipadas para todos os órgãos e, ao contrário do que aconteceu no último ato eleitoral, defende uma lista unânime. «É preciso que desta vez haja uma lista mais unificada, independentemente das pessoas que a vão compor».

O SOL sabe que esta semana houve um encontro no Hotel Plaza, em Lisboa que juntou António Godinho, Ribeiro Mendes, Miguel Coelho e Carlos Areal, e que serviu para discutir estes assuntos. 

Em relação à possibilidade de os dois avançarem, ao SOL, a garantia é a mesma: «Ainda é cedo para falar sobre isso».

Quanto à saída de Tomás Correia, António Godinho diz apenas que «peca por ser tardia», lembrando que é imperativo defender o clima de confiança da associação mutualista e, como tal, propõe que seja apresentado um programa de gestão diferente.

Eleições já em 2020
Tal como o i avançou na segunda-feira, a Associação Mutualista Montepio (AMM) vai ter de ir a eleições já no próximo ano. A ‘culpa’ é dos novos estatutos, que serão votados em assembleia-geral no dia 4 de novembro e vão exigir a eleição de uma assembleia de representantes.

Este novo órgão terá não só o poder de aprovar e alterar estatutos como também de fixar a remuneração dos membros dos órgãos sociais, aprovar contas e ainda fiscalizar os órgãos sociais, entre outras competências, nomeadamente avaliar a estratégia da associação.

O SOL sabe que esta assembleia de representantes terá de ser composta por 30 membros – dos quais 15 têm de ser associados há mais de dez anos e outros 15 há menos de dez anos –, cuja lista terá de contar com 500 assinaturas. E cada lista terá de reunir cerca de 50 elementos. Além do presidente, secretário e dois suplentes terá ainda de reunir vários representantes, totalizando os tais 50 membros. Com esta estrutura, vão deixar de existir as assembleias-gerais tal como ocorrem hoje.

Outra alteração proveniente dos novos estatutos diz respeito ao conselho de administração, que passará a contar com sete administradores em vez dos atuais cinco, dos quais dois poderão não ser executivos, apurou o SOL. No entanto, essa alteração só irá entrar em vigor em 2022, altura em que irão ocorrer as eleições para o órgão.
Recorde-se que, no final do ano passado, o Governo publicou um despacho que fez com que a associação passasse a ser supervisionada pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) – no que diz respeito à supervisão dos produtos mutualistas –, apesar de beneficiar de um período transitório de 12 anos devido à sua dimensão. Ainda assim, a tutela da associação continua a ser o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

Esta foi uma das preocupações do Governo e das autoridades reguladoras, ao defenderem que os produtos financeiros das mutualistas passassem a ser fiscalizados por um regulador financeiro, face à ausência de supervisão que existia. Isto significou que a comercialização de modalidades de benefícios de segurança social terá de cumprir as mesmas regras a que estão sujeitos os produtos financeiros das seguradoras.

Tomás Correia sai
Na semana passada, Tomás Correia anunciou que estava de saída e justificou a sua decisão. «É minha convicção que o novo Código Mutualista, em matéria de governo das associações mutualistas, não respeita a autonomia das associações e o direito democrático dos seus associados, colocando em causa o desenvolvimento do modelo de democracia interna que é a grande alavanca de sustentabilidade destas organizações», referiu em comunicado. E face a esta sua leitura, admitiu que chegou a ponderar a hipótese de não se recandidatar à presidência da mutualista nas eleições que tiveram lugar no final de 2018 e que só avançou por não ter encontrado um substituto.

No entanto, por considerar que não foi possível encontrar um substituto para concorrer ao último ato eleitoral, acabou por avançar, mas tendo em mente quatro objetivos que, no seu entender, foram cumpridos: ganhar as eleições, elaborar o projeto dos novos estatutos – que recebeu a aprovação prévia do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que tutela a instituição –, estabilizar a governação da área seguradora e concluir o processo de estabilização da equipa do Banco Montepio. 

Em matéria de estatutos, considera que não são os «ideais», mas foram os possíveis tendo em conta as limitações do novo Código Mutualista. «Mas nos termos em que foram estruturados permitem proteger o essencial da nossa associação», salientou.

Face a isso, Tomás Correia garante que se «encontram cumpridos os objetivos essenciais que levaram a que tivesse sido candidato a presidente do Montepio Geral – Associação Mutualista nas últimas eleições e, com esse cumprimento, considero ter ganho o conforto moral que me permite não ter de continuar a ser cúmplice do modelo de governo que o novo Código Mutualista impôs às associações mutualistas, em clara violação dos direitos democráticos dos seus associados e do modelo de democracia interna que cada associação entende dever construir», referiu no comunicado.
A verdade é que estes dossiês ainda não estão fechados. O Banco Montepio aguarda a aprovação do Banco de Portugal para Pedro Gouveia Alves assumir o cargo de CEO, até aqui presidente do Montepio Crédito e administrador não executivo, substituindo Dulce Mota na liderança da instituição financeira – até aqui desempenhava funções de interina. Também a aguardar o registo de idoneidade está Fernando Nogueira, para presidente da Lusitânia, que está a cargo do regulador dos seguros (ASF).