Líbano. Manifestantes reinvindicam para si a “Paris do Médio Oriente”

Manifestantes irromperam pela baía de Zaitunay, destinada exclusivamente às elites. “É nossa!”, gritaram, num país cada vez mais desigual.

Os turistas e os libaneses abastados que frequentam a baía de Zaitunay, em Beirute, assistiram a um dos protestos que têm abalado a cidade, em tempos conhecida como a “Paris do Médio Oriente” – enquanto o país enfrenta a pior crise económica desde a guerra civil (1975-1990). À frente de um clube náutico – que promove a zona como “principal destino costeiro para uma vida e recreio de luxo”, destinado a “servir exclusivamente a elite cultural e social da região” – os manifestantes depararam-se com polícia de choque, na noite de terça-feira. E cantaram: “Hela, hela, ho, Zaitunay é nossa!”, segundo o site libanês Naharnet.

Apesar do constante receio de violência sectária, no país com mais diversidade religiosa do Médio Oriente, os protestos das últimas semanas têm sido surpreendentemente pacíficos. Por todo o país, entre confrontos com as forças de segurança, DJ’s passaram música, jovens dançaram, beberam e fumaram, por trás das barricadas com que bloqueavam estradas. “Queremos dançar, cantar, e derrubar o regime”, ouve-se frequentemente nos protestos, segundo a Al Jazira. Por agora, já derrubaram o primeiro-ministro Saad Hariri. 

Mas esta terça-feira à noite marcou uma viragem nas suas táticas. Em vez de bloquearem estradas, optaram por cercar edifícios governamentais, bancos e empresas que acusam de corrupção – como a empresa responsável pela baía de Zaitunay.

 

Uma costa para poucos Na baía, ao lado de iates gigantes, debaixo dos terraços de milionários, manifestantes sentaram-se no chão e tentaram passar um filme. O gesto foi feito como exigência de propriedade pública da baía, que durante boa parte do século XX fez as delícias de estrelas de cinema, realeza e diplomatas – mas ainda assim mantinha algum acesso aos mais pobres da cidade.

Com a reconstrução depois da guerra civil, Zaitunay passou fazer a parte dos mais dos 80% da costa libanesa privatizada. Entretanto, os pequenos cafés, restaurantes e bares de nargilé ilegais da última praia pública da capital, Ramlet el-Bayda (ou “Areia Branca”), foram demolidos em julho, para construir um hotel de 5 estrelas. Caso vá para a frente, o projeto tornará Beirute na única “cidade mediterrânica sem uma frente marítima”, disse na altura à Al Jazira Mona Fawaz, professora de Estudos Urbanísticos na Universidade Americana de Beirute.

 

Destroços e lojas de luxo Numa cidade devastada pela guerra, onde numa rua se vêm edifícios com buracos de bala, noutra gigantescos projetos de urbanismo e lojas da Gucci, Prada, Hermès e Louis Vuitton, há anos que se acumula o descontentamento. “Já não há classe média aqui, só os super-ricos e o resto”, queixava-se em 2015 Fabio Sukkar, um dos muitos estudantes que se debatiam para pagar a renda em Beirute, em declarações ao Guardian. “A segregação financeira da cidade só está a piorar”.

A previsão de Sukkar foi confirmada pelas estatísticas. Desde 2005 que os 10% dos libaneses mais ricos enriqueceram entre 5% a 15%, enquanto os 50% mais pobres perderam 15% do seu rendimento, segundo dados do World Inequality Lab. Isto num país em que os 1% mais ricos têm um quarto do rendimento nacional – colocando o Líbano entre os países mais desiguais do mundo.

Algo que os manifestantes relacionam com o sistema confessional do país, em que postos políticos e administrativos são divididos entre religiões. Para os críticos, o sistema, mais que manter a paz, garante corrupção e clientelismo, numa arena política onde as dinastias são regra. Aliás, o próprio primeiro-ministro demissionário lidera o partido do seu pai, o antigo primeiro-ministro Rafic Hariri, assassinado em 2005.

Ainda assim, a queda do Executivo não satisfez os manifestantes. “Derrubámos o Governo, mas ainda há corruptos no topo da pirâmide”, disse à Al Jazira Mohammad, um jovem de 21 anos, desempregado.