A vantagem económica da não discriminação

A pretexto de um estudo científico recentemente publicado por reputados economistas das universidades Norte-americanas de Chicago e Stanford,  no qual se destaca a evidência de que 20 a 40 por cento do crescimento do produto per capita ao longo do último meio século resultou de uma melhoria na alocação de talento à atividade produtiva, o…

A pretexto de um estudo científico recentemente publicado por reputados economistas das universidades Norte-americanas de Chicago e Stanford,  no qual se destaca a evidência de que 20 a 40 por cento do crescimento do produto per capita ao longo do último meio século resultou de uma melhoria na alocação de talento à atividade produtiva, o presente artigo oferece uma breve reflexão sobre os benefícios materiais decorrentes de uma sociedade inclusiva, protetora da igualdade de oportunidades, e potenciadora das capacidades individuais.

A discriminação é, em primeiro lugar, obviamente, uma questão humana e civilizacional. A Declaração Universal dos Direitos Humanos recorda-nos, no seu preâmbulo, que “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”, para acrescentar, no artigo 2º, que tal reconhecimento pressupõe que o mesmo aconteça “sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação”.

Do ponto de vista económico, as diferentes faces da discriminação, nomeadamente quando elas se manifestam sob a forma de disparidades no acesso à educação e ao emprego, são adicionalmente uma relevante fonte de ineficiência, que os cientistas da Economia começam hoje a explorar com maior acuidade. O estudo mencionado no início deste texto coloca ênfase no seguinte facto ilustrativo: em 1960, a fração de homens brancos médicos e advogados ascendia, nos Estados Unidos da América, a 94 por cento do total de profissionais nestas duas áreas; este número viria a cair gradualmente, situando-se em 2010 em cerca de 60 por cento. Tão significativa mudança é sinalizadora de um notável progresso na alocação de talento, seguramente associado ao desmoronar de barreiras que tradicionalmente as mulheres e os homens negros enfrentavam (e ainda enfrentam) na prossecução das respetivas vocações.

A construção e estimação de um modelo por parte dos referidos autores permitiu-lhes confirmar o facto destacado: uma parte significativa dos ganhos de produtividade conseguidos no último meio século advém do quebrar de fronteiras de preconceito que tornou mais igualitário o acesso ao ensino e ao emprego. Estes ganhos são de tal forma significativos que, ainda que outras razões não existissem para a luta contra a discriminação, eles por si só justificariam a relevância deste combate.

Foquemo-nos na questão da educação e na realidade portuguesa. Uma consulta de relance à base de dados da UNESCO sobre desigualdades internacionais na educação  permite observar que, na última década, houve uma evolução francamente positiva no número de jovens a frequentar e a completar os diferentes graus de ensino em Portugal, o que é uma primeira garantia da generalização das oportunidades e de que estamos mais próximo de uma sociedade capaz de mitigar a discriminação. Todavia, a progressão não deixa de ser lenta, quando comparada com a realidade de outros países, e a margem para melhorar é ainda ampla. 

Os números relativos aos migrantes e ao género presentes na referida base de dados podem deixar-nos esperançosos quanto ao estreitar das desigualdades e à erradicação da discriminação no acesso ao ensino. O percurso é favorável, apesar de claramente os migrantes não europeus não terem ainda acesso, no nosso país, às mesmas oportunidades de frequência do ensino superior que os restantes cidadãos. As maiores disparidades encontram-se, no entanto, ao nível do rendimento familiar. A tendência do passado, de acordo com a qual os mais ricos têm acesso a superiores níveis de educação, persiste ainda hoje, sendo deveras significativo constatar que os muito ricos a terminar o ensino secundário são mais do dobro dos muito pobres, e que os muito ricos a frequentar o ensino superior são praticamente 5 vezes mais que os muito pobres.

Os números destacados, nomeadamente aqueles que põem em evidência a discriminação por via das condições económicas de partida, não podem deixar de ser encarados com preocupação. Como referido, eles são não apenas um elemento de perpetuação de uma sociedade desigual, mas também um foco de ineficiência económica. Garantir a todos oportunidades de ensino é um passo essencial para promover a médio e longo prazo taxas de crescimento económico substancialmente mais altas. 

Acresce aos dados mencionados a conhecida realidade portuguesa no que concerne à qualidade do ensino. Mesmo frequentando ou completando os diversos níveis de ensino, os mais pobres não têm de todo acesso a educação com qualidade semelhante à dos mais ricos, nomeadamente no ensino não superior, o que vem perpetuar e intensificar a incapacidade de quem parte de condições menos favoráveis de poder concretizar em pleno as suas vantagens comparativas. A perda económica daqui resultante é enorme e, (também) por isso, urge garantir em Portugal um ensino universal de qualidade.

Orlando Gomes
omgomes@iscal.ipl.pt
Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa (ISCAL)