Bolívia. Evo Morales convoca eleições depois de motins policiais

Os protestos são contra alegada fraude nas eleições do mês passado. Um “golpe de Estado contra os movimentos sociais”, assegura o Presidente.

Num país paralisado por protestos contra alegada fraude eleitoral nas eleições de 20 de outubro, o Presidente boliviano, Evo Morales, anunciou a repetição das eleições. “Todos temos a obrigação de pacificar a Bolívia”, declarou, menos de um dia após denunciar “um golpe de Estado contra um Governo democraticamente eleito”. Reagia às imagens de polícias de uniforme a juntarem-se aos manifestantes, em várias cidades da Bolívia – alguns levavam cartazes onde se lia “motim policial”.

O rastilho dos protestos foi a suspensão por 24 horas da contagem eleitoral, sem explicação. Mas os críticos de Morales não tiveram dúvidas quanto ao motivo: os resultados provisórios mostravam o Presidente com 45,71% dos votos, menos umas décimas do que precisava para não ir à segunda volta. Quando saem os resultados finais, afinal Morales tem 47,08%, a necessária diferença de 10 pontos percentuais do seu principal adversário, Carlos Mesa, que teve 36,51% dos votos.

O Presidente recusou demitir-se e negou qualquer fraude eleitoral. A situação rapidamente escalou, com bloqueios de estradas, greves, protestos e confrontos com as forças de segurança, resultando em pelo menos três mortos e 384 feridos, segundo as autoridades bolivianas.

Entretanto, Patricia Arce, do partido de Morales, presidente da Câmara de Vinto, no estado de Cochabamba, foi agredida e arrastada descalça pelas ruas, durante mais de quatro horas, antes de ser resgatada. Foi pintada de vermelho pela multidão, armada com paus e pedras, que lhe cortou o cabelo à força e a acusou de assassínio pela repressão dos protestos. “Não me vou calar e se quiserem matar-me que me matem”, respondeu Arce. Já nos estados de Chuquisaca e Oruro terão sido incendiadas as casas dos governadores e da irmã de Morales, denunciou o Presidente no Twitter.

O ponto de viragem foram os motins de várias unidades policiais, que se somaram aos protestos – primeiro em Cochabamba, depois noutras cidades, incluindo La Paz, este sábado. No mesmo dia foi revelado um relatório preliminar da Organização dos Estados Americanos (OEA), que encontrou “manipulações claras” do sistema eleitoral – acabando Morales por anunciar a repetição das eleições.

Dividido Para o Presidente, está em curso “um golpe de Estado contra os movimentos sociais, trabalhadores, humildes indígenas”. Mas até movimentos indígenas estão divididos quanto a Morales, líder do Movimento para o Socialismo (MAS), primeiro chefe de Estado indígena do país e defensor do uso tradicional da folha de coca.

“Fez escolas, estradas, hospitais, mas a gente do campo tem mais problemas”, explicou ao El País Jorge Mamami, que vende artesanato nos mercados de El Alto, município com a maior concentração indígena do país. “O povo gosta de Evo, mas não da corrupção que também vê à sua volta”. Já Felipe Quispe, dirigente indígena e antigo guerrilheiro, é inequívoco. “Com muito respeito vimos o seu rosto, porque também é o nosso rosto, o seu nariz curvado é da nossa raça ayamara. Infelizmente enganámo-nos, tornou-se nosso verdugo”, disse à France 24, durante a campanha.