Carlos Guimarães Pinto. ‘Possivelmente, vou voltar a emigrar’

Carlos Guimarães Pinto garante que a saída da liderança já estava planeada. Acredita que o Iniciativa Liberal pode crescer e vai continuar a ajudar, mas ‘sem nunca impor’ a sua presença.  

Carlos Guimarães Pinto. ‘Possivelmente, vou voltar a emigrar’

É comum os lideres dos partidos saírem depois de uma derrota nas eleições, mas o Carlos Guimarães Pinto demitiu-se a seguir a um bom resultado. Foi uma decisão muito ponderada ou já tinha a noção de que dificilmente poderia continuar se não fosse eleito deputado?

Não gosto muito desta noção de que as pessoas só devem sair da política depois de uma derrota. Dá a ideia de que estão tão agarradas ao cargo e que só saem se forem empurradas. A minha saída era um cenário planeado. Só havia duas circunstâncias em que ponderava ficar: se fosse eleito ou se o partido tivesse um resultado muito mau. Em qualquer outro cenário, como o que veio a acontecer, a minha missão ficaria cumprida. Não tenho capacidade financeira, nem pessoal, para continuar a ter o nível de dedicação que ser presidente de um partido com esta dimensão exige. Entrei com a missão de recuperar o partido de uma situação difícil e obter um bom resultado eleitoral. Cumpri essa missão.

Prejudicou a sua vida profissional por causa da política?

Claro. Tive uma dedicação quase exclusiva ao partido durante este ano. Éramos poucos e havia muito para fazer. Os projetos profissionais que eu tinha passaram todos para segundo plano.  Ao início ainda tentei compatibilizar, mas quando se é apaixonado por algo é impossível não estar sempre a pensar nisso. Seria impossível, para mim, estar nesta posição e não estar sempre a pensar naquilo que podia fazer para ajudar o partido a crescer.  Às vezes até acordava a meio da noite com ideias. Ainda hoje penso em todas as ações de campanha que podia ter feito e não fiz por cansaço ou falta de meios. Mas voltando à sua pergunta, é verdade que prejudiquei a minha vida profissional, mas já previa isso e não me arrependo de nada. Entrar na política foi uma decisão ponderada e faria tudo outra vez.

Quando entrou para a liderança, há um ano, o Iniciativa Liberal estava muito no início. Como é que se passa de um partido praticamente desconhecido para um partido com representação parlamentar?

Com muito trabalho. Tive a sorte de estar rodeado pelas pessoas certas. O primeiro passo foi definir uma identidade clara e focar a mensagem aí. Depois tivemos que definir as prioridades. Eu fui pai, pela primeira vez, pouco tempo antes de assumir o partido e uma das coisas que se lê nos livros sobre parentalidade é que um bebé não é um adulto em ponto pequeno. Tem necessidades especiais. Um partido novo também não é um partido tradicional em ponto pequeno. Há aspetos que são essenciais num partido novo, como a afirmação ideológica e a comunicação, e foi aí que colocamos todos os nossos recursos. O nosso foco foi a comunicação das ideias por todos os meios possíveis. 

Escreveu nas redes sociais que no início não havia dinheiro e foi preciso fazer um peditório para colocar o primeiro cartaz. O partido rejeitou a subvenção de campanha. Com que dinheiro foi feita a campanha?

A campanha foi financiada exclusivamente por donativos e quotas de membros e simpatizantes. Recebemos donativos até ao último dia de campanha. E foram fundos bem gastos. 

Foi uma campanha com muitos gastos?

Foi muito barata. Foi muito mais barata do que a do PDR, do Aliança ou do Chega, isto para não falar da campanha dos partidos tradicionais. Só que o dinheiro foi gasto em coisas que tiveram impacto. Se tivéssemos gastado tudo em inutilidades como grandes jantares e sedes de campanha ninguém nos perguntaria como tínhamos financiado a campanha.

Até que ponto é que um deputado do IL pode marcar a diferença no Parlamento?

Se fizermos bem o nosso trabalho, podemos trazer para a discussão temas importantes que são pouco discutidos. O PAN é um bom exemplo de sucesso. Até já havia um partido ecologista no Parlamento, mas graças à eleição de um deputado, muitos daqueles temas que se mantinham escondidos vieram à tona e os outros partidos passaram a prestar-lhes mais atenção. Honestamente, acho que já fizemos parte desse caminho. Foi com um sorriso que vi que a primeira intervenção do CDS na discussão do programa de governo se focou nas nossas três bandeiras: redução da carga fiscal, liberdade de escolha e descentralização. Isto é um sinal de sucesso da luta no campo das ideias. 

Com uma maioria de esquerda não será fácil aprovar as propostas do Iniciativa Liberal?

Será muito complicado, mas vamos temos levar as propostas do nosso programa a votação ao longo destes quatro anos. Se forem chumbadas, como provavelmente serão, os portugueses perceberão que a única forma de serem aprovadas é termos um resultado ainda maior nas próximas eleições.

O Iniciativa Liberal tem margem para crescer?

Tem imensa margem para crescer. Prova disso é o que acontece pela Europa fora em que partidos liberais têm grandes grupos parlamentares e, em muitos casos, até lideram governos. Comparo-nos algumas vezes ao PAN, não pela semelhança nas ideias ou nos métodos, mas pelo perfil dos partidos: são partidos de ideias que atingiram os seus objetivos sem rostos mediáticos. Superamos o percurso do PAN ao elegermos um deputado logo na primeira eleição. Agora temos o objetivo de superar o PAN também no crescimento ao longo da primeira legislatura.

Acredita que as ideias do Iniciativa Liberal podem vingar num país como Portugal em que há muitas pessoas que precisam do Estado?

O dinheiro do Estado não vem do céu e mesmo as pessoas dependentes do Estado beneficiariam de uma economia mais forte. Uma economia mais forte é capaz de financiar melhores serviços públicos, reformas mais altas… A nossa missão é que as pessoas percebam isto.

O Iniciativa Liberal vai ter de afinar a estratégia com a eleição de um deputado?

Esta é uma nova fase da vida do partido e exigirá uma nova estratégia. Até por isso a mudança de liderança é necessária. Há um ano precisávamos de um presidente todo o terreno que cobrisse várias áreas da atividade do partido. Durante este ano fui a cara do partido, escrevi propostas para o programa, mas também andava nas ruas com o fornecedor de outdoors a ver os melhores locais para os colocar. 

Fez de tudo um pouco?

Era esse o perfil de presidente que o partido precisava. Hoje o partido está numa fase diferente, tem mais recursos, pessoas remuneradas dedicadas ao partido a tempo inteiro. 

Será mais fácil passar a mensagem?

Com a eleição para o Parlamento terá mais atenção mediática. O líder terá necessariamente um perfil diferente, mais apropriado às novas circunstâncias do partido.

‘Possivelmente, vou voltar a emigrar’  

Guimarães Pinto vai voltar a dar aulas no Vietname durante um mês e a seguir quer acabar o doutoramento. O economista recorda os tempos em que apitava jogos de futebol ‘para ganhar uns trocos’.

Que tipo de participação no partido vai ter a partir de agora?

Menos intensa, certamente. Irei garantir que a transição de pastas não afeta a atividade do partido. Sempre que o João [Cotrim Figueiredo] precisar de aconselhamento, estarei disponível. E planeio continuar a ir a alguns encontros. Acho importante para a afirmação interna da nova liderança eu estar lá se acharem necessário, mas nunca impor a minha presença.

O que vai fazer profissionalmente a partir de agora. Vai voltar à Universidade Nacional de Economia do Vietname, como foi noticiado?

No Vietname só passarei um mês como já tinha feito no ano letivo passado. Depois disso, vou acabar o meu doutoramento e regressar à minha vida profissional. Possivelmente, voltar a emigrar.

Como surgiu esta ligação à Universidade do Vietname?

É uma história engraçada. No primeiro ano de doutoramento tive um colega vietnamita que vinha assistir às aulas. Ele falava inglês com um sotaque asiático muito cerrado e como eu tinha passado algum tempo na Ásia era dos poucos que o conseguia entender. Falávamos muito de economia e política e acabou por se tornar visita de casa. Ao fim de algum tempo, apercebi-me que ele tinha uma posição relativamente elevada na sua universidade de origem. Ele achou que pela minha experiência profissional e pelo meu gosto pela política seria a pessoa certa para dar a disciplina de Análise de Políticas Públicas. Fui lá a primeira vez e foi um sucesso. Acabei convidado para voltar e agora irei lá pela terceira vez. 

Já trabalhou em vários países. Até que ponto estas várias experiências profissionais foram importantes para definir a sua ideologia?

Não sei se ajudou a definir-me ideologicamente. Quando comecei nessa vida já escrevia sobre liberalismo. Mas certamente ajudou-me a desenvolver algumas características que foram essenciais durante este ano de gestão do partido.

O que o levava a esses países?

Era consultor de estratégia focado em marketing e finanças. Chamavam-me cada vez que havia um grande problema para resolver, uma transformação operacional ou uma grande transação. Isso podia acontecer em qualquer lado do mundo. Estes projetos de transformação podiam durar de um mês, mas também podiam durar um ano. Num mês estava nas Filipinas e no mês seguinte podia estar na Nigéria ou no Uzbequistão. 

É verdade que foi árbitro de futebol durante os tempos da faculdade?

Sim, é verdade, durante três anos e meio. Deu jeito para ganhar uns trocos.

Depois dessa experiência continua a gostar de futebol?

Deixei de ver futebol durante muitos anos depois disso. Hoje vejo futebol português com muito menos paixão do que via na adolescência. Sinto alguma falta de ter essa paixão pelo futebol.