A NATO e a União Europeia são mais fortes juntas

Interessa a Portugal continuar a trabalhar nestas duas fileiras da Defesa, cientes de sermos atlânticos e europeus e de não haver qualquer incompatibilidade entre essas duas realidades.

Neste ano em que a NATO chega aos 70, seria sinal de um otimismo cego dizer que «tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis», usando as palavras que Voltaire, no Candide, faz repetir inúmeras vezes ao professor Pangloss. O que é importante, neste aniversário, é fazer uma avaliação séria da NATO e da sua relação com a União Europeia para enfrentarmos da melhor forma os novos desafios.

Num mundo em mudança acelerada, haverá sempre aspetos a melhorar na resposta da NATO a ameaças cada vez mais híbridas e difusas e a riscos cada vez mais complexos. Sempre existiram e existirão divergências entre os Aliados, no que diz respeito a prioridades e modalidades de ação. Porém, uma avaliação justa e rigorosa do que foi alcançado pela NATO nestas sete décadas verifica que os objetivos fundadores foram plenamente cumpridos e que a Aliança se soube reinventar num novo contexto. Apesar das crises e tensões ocasionais, algumas delas graves e complexas, trata-se sem dúvida de uma trajetória de sucesso, benéfica para Portugal na qualidade de fundador e aliado ativo. A participação nacional em operações de manutenção de paz NATO deu experiência, doutrina e sofisticação às nossas Forças Armadas, desde os anos 80, ajudando-as a reencontrar o seu espaço de afirmação com a transição para a democracia e a opção pela integração europeia.

Por ocasião deste aniversário histórico da Aliança Atlântica, convém, portanto, reafirmar a posição que tem sido defendida nas últimas décadas por sucessivos governos portugueses: a NATO, a aliança militar mais robusta do mundo, é uma garantia fundamental para a nossa segurança. Somos um país atlântico, pela geografia, pela história e pela vocação secular. O nosso futuro passará tanto pelo mar, e especificamente o Atlântico, como o nosso passado. Do ponto de vista geopolítico, interessa-nos que a relação transatlântica seja de grande proximidade e devemos procurar contribuir para esse fim.

Simultaneamente, Portugal apoia o reforço das capacidades próprias de defesa da União Europeia e vê esse esforço como complementar da sua participação na NATO. O nosso empenho na defesa europeia manifesta-se através do contributo ativo nos processos políticos de consolidação da identidade europeia de defesa. Manifesta-se igualmente pela participação na edificação das capacidades de comando militar da União, sendo atualmente o General Hermínio Maio o número dois do Estado-Maior da UE em Bruxelas. Ou ainda pelo envolvimento nacional numa dezena de projetos no quadro da Cooperação Estruturada Permanente (PESCO), incluindo dois propostos por Portugal no domínio da ciberdefesa e da luta anti-submarina. A nossa economia de defesa estabeleceu várias parcerias valiosas com empresas europeias e temos expectativas de crescimento neste domínio.

Interessa a Portugal continuar a trabalhar nestas duas fileiras da Defesa, cientes de sermos atlânticos e europeus e de não haver qualquer incompatibilidade entre essas duas realidades.

A ideia que por vezes surge no debate público de uma defesa exclusivamente europeia, alternativa à NATO, alimenta divisões entre os próprios europeus e são muito negativas para a União e para o desenvolvimento da Política Comum de Segurança e Defesa. Quem defende o fim da NATO, para dar continuidade a essa estratégia, acaba por criar um obstáculo desnecessário para os avanços indispensáveis no reforço das capacidades militares e dos mecanismos de coordenação da União Europeia neste campo.

Por sua vez, um importante obstáculo à coesão da NATO é a ideia de que os Estados europeus pouco contribuem para a sua defesa. Todos aceitam, no seio da NATO, que os países europeus devem aumentar a sua contribuição financeira para corresponder às suas necessidades em matéria de Defesa. Não podemos imaginar que a Europa vive numa cápsula mágica, ao abrigo das turbulências deste mundo. Portugal, como os outros Aliados, irá aumentar a despesa militar para que melhor corresponda às suas necessidades. A nossa Lei de Programação Militar prevê já um aumento muito significativo de investimento em equipamento ao longo dos próximos anos, mesmo que fiquemos ainda aquém do rácio entre o investimento em defesa e o PIB de outros países.

Convém, no entanto, recordar que a despesa militar não é o único ingrediente para a segurança da Europa e dos europeus. Na linguagem da NATO, falamos de «dinheiro, capacidades e contribuições», ou seja, para além do dinheiro são também relevantes as capacidades que colocamos à disposição dos Aliados e a disponibilidade para participar em operações militares. Ora, diversas capacidades portuguesas têm sido importantes, e em breve teremos no Instituto Hidrográfico um Centro de Excelência da NATO para informação geoespacial, meteorológica e oceanográfica, o GEOMETOC. Quanto aos militares portugueses, têm-se destacado pelo brio com que se têm empenhado em missões, quer da NATO, quer da UE e da ONU, o que tem sido reiteradamente reconhecido pelos nossos aliados. Somos parceiros disponíveis e de confiança.

Depois de uma crise económica e financeira muita aguda, era preciso reforçar o investimento na segurança e defesa na Europa. Ainda assim, a União Europeia, no seu conjunto, tem já a segunda maior despesa em defesa do mundo. E mais: é a principal fonte de ajuda ao desenvolvimento, um importante fator de prevenção de conflitos. Mas também em áreas de forte inovação tecnológica, como a ciberdefesa ou as políticas espaciais, ou no enfrentamento de desafios híbridos, faz todo o sentido aprofundar a cooperação UE-NATO, melhor posicionado o espaço euro-atlântico num contexto global competitivo. Assim, um reforço da eficácia da despesa europeia em defesa, por via de uma maior cooperação no quadro da UE, será uma boa notícia para a NATO e não deve ser vista como uma alternativa à Aliança Atlântica.

Na próxima Cimeira da NATO, agendada para 3 e 4 de dezembro em Londres, estas e outras questões serão discutidas. Todos entendem que a instabilidade dos tempos que vivemos requerem uma reflexão ao mais alto nível sobre as nossas ambições e responsabilidades em matéria de defesa. Do lado português a perspetiva é clara: a relação transatlântica e a identidade europeia de defesa são ambas fundamentais e acreditamos que devem reforçar-se mutuamente, para bem de todos.

por João Gomes Cravinho