Mudança profunda

Observados os interesses particulares que vão moldando a realidade face às circunstâncias de cada tempo, percebe-se que os poderosos tentam, sempre e desde sempre, impor a sua vontade à dos seus semelhantes. 

O grande obstáculo que conhecem resulta da permanência de um singular exército de candidatos apostados em ocupar tais lugares, exercício que é feito ao ritmo da incapacidade daqueles para atempadamente detetarem os novos desafios (ameaças ou  oportunidades). É assim que o poder vai conhecendo novas titularidades.

Em traços muito largos, pode dizer-se que após um longo período em que uma nova classe de mercadores assumiu a liderança económica do mundo, apostando numa ética que valorizava o mérito e o trabalho duro, em oposição frontal à da anterior classe dominante, deu-se a grande transformação, tendo essa classe evoluído em poder económico e político. Quase tudo mudou, mas nunca mudou a ambição de submissão e dominação do próximo, nem tão pouco mudou o fascínio pela autoconfiança exibida pela antiga aristocracia, pelo seu estilo de vida luxuoso, pelas distinções honoríficas de ampliado significado social, pela legitimação política e social das suas conquistas de poder. A ambição manteve sempre intactos todos os seu alicerces.

Do outro lado da moeda foi medrando a ideia conveniente de que a pobreza era e é, fundamentalmente, fruto da preguiça, da habituação á dependência e á subserviência, bem como da falta de competência específica e de vontade de a desenvolver. Atitude geradora de sucessivas narrativas que ignoram a crescente geração de assimetrias sem que disso se fosse tomando a devida consciência, pese embora o progresso experimentado por todo o conjunto das populações

Deste caldo em permanente estado de fervura, não só medrou a ambição desmedida de poder, como também o medo. Sentimentos que conjuntamente tomaram conta do mundo. Medo, que, se tornou elemento essencial para os diferentes projetos de dominação. Medo da erosão dos valores tradicionais, medo dos castigos pós morte, medo da globalização, medo da dependência, medo da revolução científica e tecnológica, medo das guerras reais e potenciais, medo da perda de privilégios, medo do ataque aos pequenos e grandes interesses particulares, medo da modernidade, medo dos declarados defensores do bem comum, medo da própria mudança. Em suma, medo do futuro, não esquecendo a contradição de que nunca nenhuma geração viveu nem tanto tempo nem tão afortunadamente. A conflitualidade social universalizou-se. O tempo presente é disso prova eloquentemente.

Mas, o verdadeiramente novo é que estamos a viver uma mudança abrupta em que a dimensão material do poder está sujeita ao poder do imaterial – o conhecimento. A passividade dos políticos no reconhecimento deste desafio (oportunidades e ameaças) vai acentuando as condições objetivas para se explorarem descontentamentos e idealismos, utilizando mensagens simples e símbolos de aceitação universalizada para direcionar a energia emocional dos descontentes. Estamos a viver a ressaca da aceleração do tempo económico e do tempo tecnológico que é acompanhada pela ampliação acelerada das expectativas individuais.

É muito profunda e complexa a mudança que a mundialização dos mercados e a globalização das economias geram, densificando um novo sistema de produção e redistribuição de riqueza à escala mundial, com reflexos já evidentes na expansão da ambição de submissão e dominação Mudança que é vista maioritariamente como inesperada e, por isso, encarada individualmente como mais dramática.

Desta vez, o papel da política é muito mais exigente, dado que a mudança está e vai ser muito mais profunda e mais rápida do que o maioritariamente esperado. Não bastam frases bombásticas para afirmar a nossa qualidade coletiva. É preciso exercitá-la inteligentemente!

Fernando Gonçalves, economista