Os chumbos

Se não podemos ser imobilistas, também não podemos ser experimentalistas neste campo. Ora, nas últimas décadas, tem havido no ensino demasiado experimentalismo.

A ideia de acabar com os chumbos até ao 9º ano tem provocado inflamados debates. É curioso como as pessoas se emocionam a discutir estes temas, parecendo que deles dependem as suas vidas. E mais uma vez verificamos que o país está dividido ao meio: metade apoia a medida, metade desapoia. Se calhar os que desapoiam são mais, mas como os outros são mais militantes acabam por equilibrar os pratos da balança no debate público.

No programa O Último Apaga a Luz, a questão também foi debatida. E depois de duas intervenções sensatas de Joaquim Vieira e Raquel Varela desfavoráveis ao fim dos chumbos, com argumentos razoáveis e dificilmente contestáveis, Inês Pedrosa tirou um coelho da cartola: disse que na Finlândia o ensino é radicalmente diferente, as crianças contactam muito mais com a natureza, e os alunos aprendem muito mais em comparação com outros sistemas de ensino de outros países — como o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) demonstra. Ora, na Finlândia… não há chumbos.

Todos ficaram calados, talvez por não conhecerem bem o exemplo. Que, de facto, era arrasador. Mas de repente, ao escutá-la, parecia-me estar a ouvir os comunistas a falar da União Soviética nos anos cinquenta: aquilo era o sistema perfeito, o paraíso na Terra, não havia pobres, todos tinham emprego, todas as crianças estudavam, os serviços públicos eram gratuitos, a ciência desenvolvia-se a passos de gigante…

Ora, quando a esmola é grande, o pobre desconfia.

E neste caso, depois de Inês Pedrosa acabar de falar, ocorria-me perguntar: se o sistema finlandês é assim tão bom, se tem dado tantas provas, se já existe há quinze anos com tão bons resultados, por que é que já não foi adotado por outros países? Por que razão, dos 200 países que há no mundo, o sistema só existe na pequena Finlândia, de pouco mais de cinco milhões de habitantes? Porquê? E por que será Portugal, tão afastado dos nórdicos na personalidade e nos hábitos, o país indicado para o copiar?

Não devemos ser imobilistas. Devemos estar sempre abertos à mudança. O mundo gira, as coisas estão sempre a alterar-se – e uma pessoa não pode ficar parada no tempo.

No que respeita ao ensino, também sou favorável a um ensino menos livresco, mais próximo da natureza, mais prático. Muito do que se aprende hoje na escola esquece-se na primeira esquina e não serve para nada.

Mas, se não podemos ser imobilistas, também não podemos ser experimentalistas neste campo. Ora, nas últimas décadas, já desde os tempos de Veiga Simão e depois de Roberto Carneiro, tem havido no ensino demasiado experimentalismo. As matérias e os programas estão em constante alteração. Parece um edifício sempre em obras. Não há a mínima estabilidade. Hoje o importante é a Matemática e o Português – mas amanhã já é outra coisa qualquer. Ora estas mudanças permanentes desnorteiam os professores e são fatais para os alunos.

O ensino precisa de estabilidade e previsibilidade. Só assim funciona.

Nesta polémica, o argumento dos defensores do fim dos chumbos é que o ensino vai melhorar, vai ser dada mais atenção aos alunos com dificuldades, vai haver menos alunos por turma, etc. É outra vez a promessa do paraíso. Mas isso é uma ilusão. E depois a dicotomia não faz sentido. A manutenção dos chumbos e a melhoria do ensino não se opõem, não são alternativas. Não temos de escolher entre um ensino melhor e a manutenção dos chumbos. O ensino pode melhorar o ensino nas escolas, e os chumbos podem manter-se. Já agora, proponho o seguinte: em vez de se acabar com os chumbos e depois se introduzirem as tais alterações para  melhorar o ensino nas escolas, faça-se ao contrário: introduzam-se primeiro as alterações e, se elas resultarem, acabe-se depois com os chumbos.

Finalmente, há o problema da disciplina. Um dos grandes problemas da escola nos dias de hoje (falo sobretudo da escola pública) é a falta de disciplina. Ora, o fim dos chumbos vem retirar aos professores uma das poucas armas de que ainda dispõem para fazer valer a sua autoridade. Se um aluno sabe que passa de ano seja qual for o seu aproveitamento, o seu desrespeito pelo professor, que já é enorme, tornar-se-á quase completo.

Para muitos alunos, o professor passará a ser um verbo de encher, que não é preciso ouvir nem respeitar, pois o que ele diga ou faça não tem qualquer interferência no seu percurso.