Pobrezinhos mas honrados

Os portugueses estão entalados e têm de guardar para o Fisco tudo o que puderem. Tanto que António Costa é incapaz de garantir que vai finalmente baixar a carga fiscal que a troika impôs e que Vítor Gaspar e Mário Centeno agravaram muito para além do que lhes foi exigido.

A vida tem destas coisas. Agora que é moda dizer que o pão faz mal à saúde é que as panificadoras nascem como cogumelos e passou a haver padarias por todo o lado.

Vá lá saber-se por que razão, as formigas até já conseguem nadar e não se afogam e também não assaltam os açucareiros nem vão ao açúcar como iam, como os pássaros deixaram de ir à fruta que amadurece nas árvores porque coberta de químicos e só serve para os consumidores de grandes superfícies e mercados – é bonita essa fruta de agora, mas só para os olhos comerem, porque de sabor e riqueza em vitaminas, e não só, já eram.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, como dizia (chamar-lhe cantar é como elogiar a voz de Abrunhosa ou a bateria de Rio) o agora surpreendentemente consensual José Mário Branco, radical de esquerda cujo culto parece ter chegado até a insuspeitos e assumidos liberais de direita.

Pois é, se havia máxima salazarista que irritava a esquerda, e, por isso, logo passava a ‘salazarenta’, era a que rezava tal qual a que faz título desta crónica.

E não é que, tão próximos do meio século volvido sobre a revolução de Abril e do 25 de Novembro redescoberto e ao fim de quatro anos da ‘geringonça’ que fez do PCP e do BE partidos do arco da governação em Portugal, é pela mão da esquerda que ela agora regressa?

É verdade. Ou melhor, pela mão do Governo de Costa, de um lado, e do Presidente Marcelo, do outro.

Sim, porque os portugueses estão entalados e têm de guardar para o Fisco tudo o que puderem.

Tanto que António Costa é incapaz de garantir que vai finalmente baixar a carga fiscal que a troika impôs e que Vítor Gaspar e Mário Centeno agravaram muito para além do que lhes foi exigido.

Vangloria-se, aliás, o ainda ministro das Finanças e presidente do Eurogrupo de pela primeira vez na história da democracia portuguesa as receitas ultrapassarem as despesas do Estado. Não por força do crescimento da economia ou da produtividade dos portugueses, mas por via das ‘centénicas’ cativações e do saque aos contribuintes.

Tem topete, só pode ter topete!

Como é descarado o preço da luz portuguesa continuar no topo das tabelas europeias. Baixar o IVA da eletricidade? Há outras prioridades, afirma Costa, apontando para a Saúde.

Pois sim. Como diria o ministro Matos Fernandes, se quiserem baixar a fatura a pagar às elétricas, reduzam a potência contratada, apaguem as luzes e invistam em candeeiros a óleo ou em velas e troquem os ares condicionados e aquecedores pelas braseiras, daquelas que continuam a matar idosos no nosso cada vez mais desertificado interior. 

Vão ver que a conta da luz baixa e ficam com dinheiro para gastar nas ‘black fridays’ que, diz o ministro do Ambiente enquanto o das Finanças esfrega as mãos, representam o «expoente máximo do capitalismo». 

Pobrezinhos mas honrados, os consumidores portugueses sujeitam-se ao conselho ou exemplo candidamente apregoado pelo Presidente Marcelo: a família Rebelo de Sousa cumpre a tradição de se reunir no Natal, mas cada um só pode levar um presente de custo máximo de 10 euros.

Foi o próprio Presidente que o disse, na feira de solidariedade Rastrillo (na mesma FIL que albergou a Web Summit) e onde o professor, segundo os mesmos relatos noticiosos, aproveitou para fazer ‘as primeiras compras de Natal, como atoalhados, livros e um blusão para um dos netos’.

Enfim, ainda que um pouco confusos, ficámos a saber que Marcelo não vai dar de presente, pelo menos na família, nenhuma daquelas camisolas da senhora de Paddy Cosgrove que esgotaram logo às primeiras horas da Web Summit do nosso contentamento apesar de custarem uma módica quantia já muito próxima do salário médio dos portugueses.

Enquanto isso, ainda em novembro, já as ruas das cidades e vilas país fora se enchem de iluminações natalícias e há presépios para todos os gostos nas rotundas, nas praças, nos centros comerciais… e nas montras com decorações natalícias e com saldos e ‘black fridays’  e todos os outros dias de outras tantas cores.

Como cantava Zeca Afonso, o que faz falta é animar a malta. Pobrezinha mas honrada.