Nigéria. Sobreviver num país homofóbico

‘Há pessoas que são levadas e presas com base na percepção, real ou não, da sua orientação sexual, até que paguem subornos”

Como em muitos outros pontos de África, na Nigéria «a religião e a perceção do que é a ‘cultura africana’ têm um papel determinante na homofobia» generalizada no país, onde a homossexualidade é um crime punível com  prisão, explica ao SOL Phidelia Imiegha, da ONG nigeriana The Iniciative for Equal Rights (TIER). «Os nigerianos queer vivem com medo das suas famílias, da sociedade, do seu Governo», conta. Os abusos vão desde «espancamentos, raptos, expulsão de casa, terapia de conversão forçada, violações corretivas, até assassinatos». Não espanta que seja considerado o país mais perigoso do mundo para turistas queer pelo LGBTQ+ Danger Index.

O incentivo legal à perseguição de pessoas LGBT+ é herança de várias influências na sociedade nigeriana. Por um lado, mantêm-se as leis coloniais contra «ofensas contra a moralidade», como é descrita a homossexualidade. Por outro, há a sharia, ou lei islâmica,  aplicável em regiões do Norte do país: pune a sodomia com apedrejamento até à morte e o lesbianismo com 50 chicotadas e seis meses de prisão. E desde 2014 que estão em vigor leis anti-homossexualidade, promulgadas pelo então Presidente Goodluck Jonathan, aliado próximo dos ‘super pastores’ das igrejas evangélicas – cada vez mais populares.

São essas novas leis que estão a ser aplicadas contra 47 homens detidos numa rusga a um hotel em Lagos, ouvidos em tribunal esta quarta-feira: arriscam dez anos de prisão por demonstração pública de afeto a pessoas do mesmo sexo. Já a união civil entre pessoas do mesmo sexo é punível com até 14 anos de prisão.

«O interessante é que ninguém apelava ao direito ao casamento de pessoas do mesmo sexo quando esta lei foi aprovada», nota Anietie Ewang, investigadora da Human Rights Watch para a Nigéria. «Suponho que tenha sido resposta ao que estava a acontecer globalmente», com cada vez mais países a reconhecer os direitos de pessoas LGBT+, considera.

Os 47 arguidos arriscam ser os primeiros condenados por estas leis – mas estão longe de ser as suas primeiras vítimas. «Há pessoas que são levadas e presas com base na perceção, real ou não, da sua orientação sexual, até que paguem subornos», conta Ewang. Além disso, «a lei encorajou atos de violência contra pessoas LGBT+», ao mesmo tempo que «criou uma espécie de impunidade para criminosos», salienta Imiegha.

Num país fraturado conflitos étnicos e religiosos, que enfrenta uma insurreição dos extremistas islâmicos do Boko Haram, no Norte do país, a homossexualidade é dos poucos assuntos em que quase todos os nigerianos concordam: nove em cada dez são a favor da sua criminalização, segundo uma sondagem da TIER. «Há uma retórica forte de líderes religiosos, tanto cristãos como muçulmanos, de que é contra os seus valores religiosos», acrescenta a investigadora da Human Rights Watch. 

‘A família que escolheram’

Neste clima de terror, as pessoas queer nigerianas «são forçados a esconder a sua identidade, conformar-se com as normas sociais para sobreviver», observa a ativista. Associações de direitos humanos – as organizações LGBT+ são proibidas – providenciam pontos de encontro. Mas o grande escape são mesmo as redes sociais, onde «jovens nigerianos queer podem expressar-se anonimamente e conhecer outras pessoas como eles», assegura. «Conversas que não podem ser tidas offline acontecem online». No meio da repressão, «as pessoas encontram uma comunidade e a família que escolheram»

É que na Nigéria muitos «continuam no armário, porque o nível de aceitação de famílias continua baixo», nota a Imiegha. Por exemplo, numa coluna do Nigerian Tribune, chamada «pergunte a um médico», um leitor perguntou o que fazer após descobrir que o filho é gay. Um «sentimento doloroso», respondeu o médico, aconselhando que os pais optem por «consolo espiritual» e lamentando: «por agora, não há nenhuma solução concreta para o problema do homossexualismo».

«Os media sensacionalizam a cobertura de qualquer coisa que tenha a ver com pessoas LGBT+ na Nigéria», considera Imiegha. Já Nollyhood, como é conhecida a emergente indústria cinematográfica nigeriana – a maior em África – «usa personagens queer como alvo de gozo», ou espalhando retratos preconceituosos. Como é o caso de um dos poucos filmes nigerianos sobre um casal gay, o Gay’s Diary Reloaded – acaba com os personagens a serem ‘reconvertidos’ da homossexualidade e tornarem-se melhores amigos. «Não queremos que pareça que estamos a incentivar ao gayzismo», disse o CEO da produtora, Humble Dhera Francis, ao site LGBT+ NoStringsNG.

    ‘Matar os gays’

Noutras partes do continente, o cenário não é melhor. Talvez o Estado africano mais draconiano quanto à homossexualidade seja o Uganda, onde é um crime punível com prisão perpétua – o Governo pede pena de morte. A proposta de lei, coloquialmente conhecida como «matar os gays», tem sido barrada por motivos técnicos – mas as condições de vida da comunidade LGBT+ continuam a ser dramáticas. 

«A homossexualidade não é natural para os ugandeses», declarou recentemente à Reuters o ministro a Ética e Integridade, Simon Lokodo, falando à Reuters. O argumento é semelhante ao utilizado na Nigéria, de que a homossexualidade é uma exportação ocidental – algo cada vez mais criticado tanto por ativistas como celebridades.

«Ouvimos estes líderes africanos, vestidos de fato, com um iPhone, a falar inglês e não na sua língua nativa a dizer: ‘Não é africano ser homossexual’. Não é verdade», disse à Sway’s Universe o rapper nigeriano Jidenna. Deu como exemplo o Uganda, sucessor do reino do Buganda – governado por um rei abertamente gay no final do século XIX, Mwanga II. A grande ameaça ao seu reino foi o crescente número de convertidos ao cristianismo, apoiados pelos britânicos. Acabaram por derrotar Mwanga, que se converteu ao cristianismo e morreu no exílio.

A história das leis anti-homossexualidade do Uganda – promulgadas no mesmo ano das suas equivalentes na Nigéria – ecoa a história do Buganda. «Nunca teriam sido possíveis sem o envolvimento de evangélicos fundamentalistas norte-americanos», afirmou ao Independent Roger Ross Williams, realizador do documentário God Loves Uganda. Desde os anos 80 que estes grupos gastam milhões de dólares em orfanatos, escolas e hospitais no país – ao mesmo tempo que defendem uma agenda conservadora.