Há que atualizar a legislação mineira

Se o Estado entende que quem pesquisa com sucesso deve ter a exploração, não faz sentido haver um contrato para pesquisa e outro para exploração

A recente polémica sobre as concessões mineiras para lítio demonstra que a legislação vigente está ultrapassada, cheia de ‘zonas cinzentas’ entre a pesquisa e a exploração, afastando investidores sérios, em vez de os atrair. E, que me desculpe o sr. secretário de Estado (SEE) João Galamba, isso não vem de lei «feita pelo Governo da troika», o qual apenas remendou a legislação, nada mudando no tema que causa a polémica atual.

É sabido que um investimento em pesquisa geológica é de alto risco, logo, é justo que quem realiza tal investimento, sabendo-se que a grande maioria dessas pesquisas não dão bons resultados, tenha o direito de continuar com a concessão para exploração mineira da área pesquisada com sucesso. A lei vigente dá-lhe o direito de requerer a concessão para exploração, direito esse que ninguém mais tem. Sendo um requerimento, o Estado pode não o aprovar, o que é muito raro, mas já aconteceu. Por outro lado, o Estado, não raras vezes, demora vários meses para aprovar (ou não) tais requerimentos, trazendo incertezas aos investidores, os quais aceitam correr ‘riscos geológicos’, mas detestam ‘riscos jurídicos e burocráticos’. O Estado, para minimizar estes riscos, tem colocado nos contratos para pesquisa um articulado que ‘garante’, a quem cumpre as obrigações desse contrato e deseja ter o contrato para exploração, a outorga da concessão para exploração. Trata-se de uma ‘garantia’ legalmente frágil e tecnicamente precoce, porque, antes da pesquisa, não há informação suficiente para se assumirem as obrigações financeiras que constarão no futuro contrato para exploração e são colocadas no contrato para pesquisa.

Sempre há, para cada contrato de concessão, segundo a legislação vigente, a sua negociação. Não tenho conhecimento de caso algum de corrupção, mas, quando, à volta de uma mesa, se sentam dois funcionários do Estado e dois representantes de uma empresa, para negociarem um contrato de concessão, onde se definirão prazos e trabalhos e investimentos obrigatórios mínimos, além dos valores de taxas, royalties, cauções, compensações, etc. para o Estado e municípios, está-se num ambiente propício à suspeição de que algo mais possa estar sendo negociado… A atual prática internacional é a de não se negociar, caso a caso, contrato algum de concessão mineira. O seu articulado consta na lei, incluindo todos os prazos e valores a investir e a pagar, ‘fechando-se a porta’ à possível realização de negociações não transparentes.

Se o Estado entende que quem pesquisa com sucesso deve ter a exploração (palavras do sr. SEE), não faz sentido haver um contrato para pesquisa e outro para exploração, precisando de se requerer o segundo, após cumprido o primeiro. A atual prática internacional é a de se conceder um ‘título mineiro único’, do início da pesquisa até ao fecho da mina, ou, se antes disso, até um número fixo de anos, bem calendarizados (evolução de impostos e taxas, redução de áreas, etc.), tudo constando no tal contrato que estará na lei. Este procedimento elimina qualquer polémica, quando, entre a pesquisa e a exploração mineira, a empresa concessionária ceder o seu direito a outra empresa. Como uma concessão mineira não é uma ‘propriedade’, não pode ser objeto de compra e venda, recorrendo-se à figura jurídica da ‘cessão de direito’, de um titular para outro, o que tem particularidades a serem definidas em lei, a qual, hoje, é omissa a tal respeito, originando o problema que assombra o Estado, no caso da concessão para lítio de Montalegre.

Entre os riscos não geológicos, os investidores destacam os do licenciamento ambiental, não pelas suas exigências legais, que reconhecem serem apropriadas, mas pela demora nas respostas da APA, criando mais ‘zonas cinzentas’, e, como ainda não existe o ‘licenciamento social’, pela certeza de que as decisões e “condicionantes’ da APA serão influenciadas pelas comunidades locais, afetadas pela abertura da futura mina. A adoção do ‘título mineiro único’ facilitará a solução deste problema, pois ficará claro que as responsabilidades para obtenção de todo e qualquer licenciamento será do concessionário, enquanto tal concessão vigorar, sem as atuais incertezas entre licenciamentos e outorgas.

Jorge Valente