Uma campanha repleta de truques e informação enganadora

O Reino Unido vai esta quinta-feira a eleições, após uma campanha cheia de informação distorcida, mentiras e conspirações – até de influência russa se suspeita.

Os britânicos vão às urnas esta quinta-feira, após uma campanha marcada por truques e desinformação a uma escala nunca antes vista – muito devido ao impacto das redes sociais. Seria de esperar que os partidos envolvidos perdessem confiança aos olhos dos eleitores, mas o efeito parece ser o contrário. “Não estamos a ver qualquer reação adversa”, explicou à Associated Press Zvika Krieger, diretora de política tecnológica no Fórum Económico Mundial. É que este género de táticas “conseguem mais atenção. Há um incentivo perverso a divulgar tanta informação enganadora quanto possível”.

Talvez os casos mais badalados envolvam o Partido Conservador, liderado pelo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson. Logo no primeiro debate entre Johnson e o líder trabalhista Jeremy Corbyn, a conta de Twitter dos conservadores mudou de nome para FactCheckUK, lançando supostas verificações de factos sobre Corbyn. “Por favor não a confundam por um serviço de verificação de factos independente”, apelou em comunicado a agência Full Fact – já o Twitter não tomou qualquer medida quanto ao assunto.

O incidente marcou o tom da da campanha. A direção de campanha dos conservadores recusou desculpar-se pela manobra, ao contrário do que fez na semana anterior, após divulgar um vídeo fortemente editado do responsável trabalhista pelo Brexit, Keir Starmer. No vídeo dos conservadores, o dirigente trabalhista é entrevistado pela ITV e questionado quanto à saída do Reino Unido da União Europeia. Parece que Starmer fica sem resposta – na legenda lê-se “o Partido Trabalhista não tem um plano para o Brexit” – quanto na realidade deu uma resposta detalhada. “Um ato de desespero que correu mal”, reagiu o visado.

Outro caso foi após o primeiro-ministro recusar olhar para a foto de um rapaz de quatro anos, que se suspeitava sofrer de pneumonia, a dormir no chão por cima de casacos. Johnson enviou o ministro da Saúde, Matt Hancock, ao hospital onde estava a criança, e este foi recebido com protestos. Imagens mostram um assessor a ir contra o braço de um manifestante – mas a equipa de Hancock disse aos jornalistas que o assessor foi esmurrado. “Lamento por ter errado nesta”, tweetou o editor de política da ITV, Robert Preston, após dar a notícia.  

 

Desinformação massiva Contudo, os conservadores não foram os únicos a usar estas táticas na campanha, de acordo com a Coligação pela Reforma nos Anúncios Políticos, o grupo encontrou 31 campanhas publicitárias, pagas por partidos, com informação desonesta ou errónea. 10 foram pelos conservadores, seis pelo Partido do Brexit, quatro pelos trabalhistas e 11 pelos Liberais Democratas –  que gastaram mais de 750 mil euros em publicidade no Facebook só no último mês.

No entanto, não foram só atividades online dos partidos a gerar polémica: também se espalhou desinformação à moda antiga, em papel. Multiplicaram-se os jornais falsos, aparentando ser tabloides regionais, apenas com notícias favoráveis aos partidos que os distribuem.

Questionados pela BBC, os Liberais Democratas defenderam que esta “é uma prática usada por todos os partidos há décadas”. Já os trabalhistas garantiram que os materiais distribuídos estavam “claramente marcados de ambos os lados” – apesar de eleitores terem contado ao canal britânico que não se aperceberam – e os conservadores garantiram que “cumpriram todas as leis e regulações relevantes”.

Talvez o problema seja mesmo esse. Afinal, ainda o ano passado o comité para os média da Câmara dos Comuns pediu alterações significativas nas leis eleitorais, que considerou não serem “adequadas” para os desafios do século XXI – até agora, o Governo britânico ainda não acatou as recomendações. O relatório surgiu após um inquérito às notícias falsas e manipulação de dados, na sequência dos receios levantados pela alegada interferência russa nas eleições norte-americanas de 2016.

 

Rússia? Corbyn revelou documentos que mostrariam que Johnson quer “vender” o serviço nacional de saúde aos Estados Unidos após o Brexit. O Governo admitiu que os documentos eram verdadeiros, mas estes não detalhavam a privatização da saúde no Reino Unido – apenas negociavam o acesso de farmacêuticas norte-americanas ao mercado britânico.

São assuntos distintos, apesar da editora de política da BBC, Laura Kuenssberg reconhecer que um acordo comercial com os EUA “poderia estender as patentes de alguns medicamentos, que custariam mais”.

Contudo, ficou a questão de onde é que Corbyn arranjou os documentos. O website Reddit confirmou que antes do líder trabalhista os revelar, os documentos foram divulgados na plataforma, por um utilizador anónimo, que o Reddit relacionou com uma campanha de contra-informação russa. “Precisamos de chegar ao fundo da questão, não determinámos a verdade dos factos”, reagiu Johnson.

Face às críticas, Corbyn assegurou que se trata de uma “teoria da conspiração do primeiro-ministro”. Já um porta-voz dos trabalhistas acrescentou: “Estes documentos mostram uma conspiração contra o nosso serviço nacional de saúde”. E que a sua divulgação à imprensa “é claramente de interesse público”.