Para onde vão os animais de circo e vítimas de maus-tratos?

Bloco de Esquerda, PCP e PAN querem que sejam criados refúgios para animais selvagens. A intenção é que possam receber os animais de circo apreendidos pelas autoridades e vítimas de maus-tratos.

No início do ano, o Presidente da República promulgou o diploma que determina o fim de animais selvagens nos circos. A verdade é que a lei não está a produzir quaisquer efeitos, pois o Governo ultrapassou o prazo para regulamentar a legislação. Mas quando esta questão estiver ultrapassada, para onde irão estes animais? E onde são guardados os animais que são vítimas de maus-tratos? PAN, Bloco de Esquerda e PCP já avançaram com propostas para garantir que estas espécies não sejam deixadas ao abandono.

Os projetos, que serão discutidos no Parlamento no próximo dia 20, surgem no seguimento de uma petição que solicita a criação de locais de acolhimento de animais de quinta e selvagens, conhecidos como santuários ou refúgios de vida animal. “Estes locais distinguem-se das restantes figuras existentes por considerarem em primeiro lugar o bem-estar físico e mental do animal até ao final dos seus dias. Nos santuários, os animais são vistos como indivíduos únicos e a sua vida um bem maior, não podendo ser explorados, comprados, vendidos ou usados para entretenimento ou em experiências com animais”, lê-se na petição apresentada.

Nesse sentido, o PAN apresentou uma recomendação ao Governo para que seja criado enquadramento jurídico para estes locais. “Existem algumas associações no nosso país que pretendem ter estes refúgios para animais, mas não podem fazê-lo porque há uma lacuna na lei. Aquilo que acontece é que para qualquer animal dito de pecuária, a lei apenas prevê que possam ter esse fim. Só quem tenha um estabelecimento com fins de produção é que pode receber este tipo de animais”, explica ao i a deputada do PAN Cristina Rodrigues. Para os animais selvagens, a lei prevê apenas espaços de recuperação de fauna selvagem autóctone e jardins zoológicos. Em relação a estes últimos, o PAN não os rejeita, mas encara-os como “a última opção”, diz Cristina Rodrigues.

A deputada do PAN fala ainda de outro problema: além de não existir uma lei que acautele o funcionamento destes espaços, o próprio Estado não tem como lidar com situações extremas. Um dos exemplos dado pelo partido é o de mais de 100 cavalos maltratados em Ferreira do Alentejo. “Face à evidência de não haver onde os colocar, tiveram de lá ficar e cerca de metade acabaram por morrer”, conta a deputada. “Ou seja, quando existe uma situação em que o bem-estar não é assegurado, o Estado não consegue dar resposta e também não permite que outras associações de cariz privado possam fazê-lo”, diz Cristina Rodrigues ao i.

 

Propostas da esquerda

Também o PCP e o BE apresentaram as suas propostas. Os bloquistas mostram-se preocupados com a falta de espaços para proteger animais apreendidos nas investigações. “Neste momento, e principalmente no caso de animais de quinta ou selvagens, não existem locais de acolhimento, ficando estes muitas vezes confiados aos suspeitos, colocando em causa a investigação em curso e o bem-estar do animal”, refere o projeto de lei apresentado pelo BE.

Os comunistas também acompanham esta visão e salientam a necessidade de criar uma estrutura pública de acolhimento de animais selvagens e exóticos que estiveram em cativeiro à margem da lei, que foram alvo de tráfico, que estejam feridos ou doentes, sejam eles apreendidos em casas de particulares, centros de reprodução ilegais ou operações de tráfico, ou entregues no âmbito do Programa de Entrega Voluntária de Animais Selvagens, proposto pelo partido. “Há muito que já tínhamos manifestado esta preocupação. É preciso identificar quais as necessidades e garantir que haja uma resposta efetiva para o acolhimento e reabilitação de animais selvagens, seja na sequência de maus-tratos, seja por entrega voluntária”, diz ao i a deputada Paula Santos.

 

Lei na gaveta

O Governo já deixou passar o prazo para regulamentar a legislação de proteção dos animais de circo. Na prática, isto significa que a lei não tem qualquer efeito – ainda não existe uma entidade para cadastrar as espécies usadas nos espetáculos nem apreendê-las. Na lista dos animais abrangidos estão espécies de macacos, elefantes, tigres, leões, ursos, focas, crocodilos, pinguins, hipopótamos, rinocerontes, serpentes e avestruzes.

Tanto o Bloco de Esquerda como o PAN chamaram a ministra da Agricultura ao Parlamento para esclarecer estes atrasos. “Há uma falta de vontade política em concretizar aquela que foi a vontade dos partidos que aprovaram a lei. O Governo tem deixado esta questão para segundo plano”, acusa Cristina Rodrigues. Numa resposta ao Público, o gabinete de Maria do Céu Albuquerque explica que ainda estão a decorrer “trabalhos de articulação entre as entidades envolvidas, nomeadamente entre o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV)”.