Xinjiang. Rota da seda reinventa-se com aposta no turismo

A região autónoma chinesa de uigur de Xinjiang continua a cumprir a história ao ser um ponto de passagem privilegiado entre o Ocidente e o Oriente, mas agora atraindo quem vem de fora. Mesmo com toda a polémica internacional e tensão acumulada na região, o número de visitantes já ultrapassou os 200 milhões, só este…

A província de Xinjiang representa mais de um sexto, quase um quinto de todo o território da República Popular da China. São 1,64 milhões de quilómetros quadrados de uma terra no noroeste chinês que parece correr a incrustar-se na Ásia Central, apontada a Ocidente. É um terreno árido, constituído principalmente por montanhas escarpadas, por deserto, pastagens e por oásis nos sopés das montanhas, onde os pastores se refugiam. No entanto, toda esta imensidão acolhe apenas cerca de 22 milhões de habitantes, menos de 1,6% da população daquele que é o mais populoso país do mundo. 

É como se a região fosse um lugar de passagem, o que, na verdade, sempre foi e continua a ser, desde as primeiras rotas do Jade, que seguiam desde a China para a Pérsia e mais além, contornando o Takla Makan, o segundo maior deserto arenoso do mundo. Os arqueólogos conseguem identificar sinais de mineração de jade na região até ao Neolítico, permitindo inferir que os caminhos de transporte são milenares, renovando-se por eras. 

As Rotas da Seda, que constituem hoje uma imagem da herança histórica da região e um símbolo da ligação sempre presente entre Oriente e Ocidente, têm raízes nos séculos I e II antes de Cristo, resultado das sementes plantadas por Zhang Qian, diplomata e funcionário do Estado, enviado do Império do Meio aos mundos além-China, no tempo da dinastia Han. Das suas viagens trouxe informação – da Macedónia, dos impérios Parta e Persa, da Índia e da Ásia Central, hoje o Cazaquistão, o Quirguistão ou o Tadjiquistão. Qian, que tem honras de herói nacional, teve um papel fundamental no estabelecimento de rotas comerciais, introduzindo produtos desconhecidos ao Ocidente e, em troca, trazendo novidades para Oriente. Não só produtos, mas também conhecimento, sendo esta uma das ligações ao mundo por onde se terão espalhado aquelas que são consideradas as grandes invenções da China antiga: o compasso, a pólvora, o papel e a prensa. No século XIII, as Rotas da Seda eram uma influência determinante na Europa, assim permanecendo até ao século XVI, quando as rotas marítimas se iniciaram e os europeus foram aproveitando o caminho aberto por Vasco da Gama para desafiar e, depois, eliminar, séculos mais tarde, o poder dos intermediários que dominavam os circuitos das caravanas que passavam pelas rotas terrestres.

 

A Rota da Seda do turismo

Hoje, as relações comerciais renovaram-se no eixo terrestre que liga o Oriente à Europa, mas as caravanas são diferentes; ainda transportam jade, agora através de linhas férreas, mas carregam especialmente crude, produtos petroquímicos, algodão e, cada vez mais, turistas.

Indiferentes, até agora, às polémicas, os visitantes, tanto de fora como da China, continuam a acorrer à região. O número de turistas que visitaram Xinjiang aumentou 40% no ano passado, face ao anterior, ultrapassando os 150 milhões; nos primeiros 10 meses deste ano, a afluência cresceu 42,62%, face a igual período de 2018, ultrapassando os 200 milhões e promovendo uma receita global de 341,7 mil milhões de yuan (cerca de 43,9 mil milhões de euros). E o objetivo ambicioso do governo regional da província é de chegar aos 300 milhões de visitantes no próximo ano, que permitam arrecadar mais de 600 mil milhões de yuan de receitas (cerca de 78 mil milhões de euros), o equivalente a cerca de um terço do produto interno bruto (PIB) anual português.

Pequim tem estado sob pressão diplomática internacional, depois de divulgada informação sobre a existência de centros de centros de doutrinação em Xinjiang, onde estariam cerca de um milhão de uigures. As autoridades explicam que se trata de centros de formação vocacional que visam integrar os uigures na sociedade, aprendendo a língua e ofícios. Foram criados, também, como uma barreira de segurança contra o extremismo muçulmano (religião maioritária na região), depois de conflitos étnicos em 2009, na capital de Xinjiang, Urumqi, que fizeram 197 mortos.

O contacto recorrente com o exterior através das rotas comerciais, a localização e a proximidade com diferentes costumes formaram uma Xinjiang que é um verdadeiro melting pot, um caldeirão de culturas. A província é etnicamente muito diversa. No censo de 2010, a etnia uigur representava 45,84% da população de Xinjiang, enquanto a Han, maioritária na China, representava 40,48%; a proporção de cazaques na região era de 6,50%, da etnia Hui era de 4,51% e as restantes etnias representavam 2,67% dos habitantes. Em 2010, a única região na China em que o conjunto de minorias étnicas tinha um maior peso era o Tibete.

Acresce que o facto de Xinjiang fazer fronteira com o Afeganistão, o Paquistão e a região turbulenta de Caxemira – onde Índia e Paquistão disputam território -, assim como com várias ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central deixa Pequim preocupada. Ainda mais quando os Estados Unidos reduzem a sua presença e afrouxam os limites ao combate ao terrorismo.

 

Construir o futuro além do petróleo

O crescimento do setor turístico funciona como uma locomotiva económica, responsável pela criação de 32 mil novos empregos na região, só no primeiro semestre deste ano, a caminho do cumprimento da meta de 40 mil novos postos de trabalho criados na restauração, no alojamento, na promoção de viagens, na indústria de artesanato e lembranças turísticas, etc. Para o próximo ano, o objetivo é a criação e mais 50 mil empregos, cumprindo o plano trianual que prevê mais 100 mil empregos.

Para atingir estes objetivos, as autoridades regionais prometem reforçar o investimento. No verão, o presidente do governo regional, Shohrat Zakir, apontou o crescimento constante do setor e a ambição de Xinjiang de tornar-se uma área turística importante e um destino com popularidade mundial, explicando que o caminho passa por ainda maior promoção, pela criação de melhores marcas turísticas e pelo investimento nos transportes e na construção de infraestruturas de apoio. Já este mês, o presidente da Associação de Serviços de Viagens de Xinjiang, Wu Feng, garantia que a região vai «enriquecer os produtos de turismo de inverno, para atrair mais turistas para apreciarem as belas paisagens invernosas de Xinjiang».

As autoridades consideram que o ritmo de crescimento económico mais elevado na região do que a média nacional continuará a atrair mais habitantes, maioritariamente Han, alterando a estrutura étnica de Xinjiang. Aliás, é um facto que a migração de chineses Han para a região autónoma coincidiu com a aceleração do crescimento económico que, segundo Pequim, atingiu uma taxa média de 8,5%.

A locomotiva do turismo tem contribuído para que a economia da região se diversifique, já que o petróleo, o gás natural e a indústria petroquímica representam cerca de 60% do PIB de Xinjiang.

Dos 33 locais da Rota da Seda que são considerados Património da Humanidade pela UNESCO, 33 encontram-se na China, ligando o centro do país às terras de fronteira; destes, nove encontram-se na região de Xinjiang.

Os pacotes turísticos que estão disponíveis para acompanhar a Rota da Seda exploram a beleza natural da região, por cinco dias ou mais, até duas semanas; das águas do lago Karakul (literalmente Lago Negro) ao sistema montanhoso de Tian Shan (Montanhas Celestiais, classificadas pela UNESCO como Património da Humanidade), mas já também o magnífico Takla Makan (que literalmente quer dizer ‘entrar; não sair’), que deixou de ser região a evitar, como acontecia há milénios, por ser tão inóspita, mas palco de uma experiência a vivenciar.