Os media no seu labirinto…

Enquanto o DN agoniza, os mesmos donos despacharam as sedes do jornal em Lisboa e no Porto

Há cerca de cinco anos, publicámos nesta mesma coluna um texto com o título "A Imprensa no seu labirinto". Escrevemos, então, que os jornais viviam um momento estranho. Ao perderem continuadamente leitores, perdiam influência, perdiam publicidade e perdiam independência. 

O fenómeno – se de tal se trata – não é exclusivamente português, mas a pequenez do nosso mercado, as profundas assimetrias culturais e o crescente desinteresse pela informação escrita, em particular nas novas gerações, têm ditado uma quebra fatal de tiragens e de audiência.

O certo é que, apesar do naufrágio à vista, não se fez nada e o navio continuou a afundar-se. 

Há dias, a divulgação das conclusões do PISA 2018 – o Programa Internacional de Avaliação de Alunos da OCDE – destapou um quadro assaz confrangedor para Portugal: um terço dos alunos de 15 anos afirma que só lê se for obrigado e 22% diz que ler é uma perda de tempo. Os valores são ainda maiores nos rapazes, subindo para 41% e 31,2%, respetivamente. 

Se é este o retrato cru dos alunos mais jovens, convirá recordar, também, o resultado da avaliação feita aos professores em 2014, muito combatida pela Fenprof.

Verificou-se nessa altura – e hoje talvez não fosse diferente se o exame se repetisse – que na prova destinada a avaliar o raciocínio lógico e crítico, e a capacidade de comunicação correta em língua portuguesa, a maioria dos docentes, num pequeno texto, deu erros de palmatória – erros ortográficos, de pontuação e de sintaxe. 

A ‘relação difícil’ com o português terá de influenciar fatalmente o panorama da imprensa, a braços com o declínio acelerado de vários títulos, entre os quais o vetusto Diário de Noticias -, um jornal centenário a debater-se há muito com um desgaste estrutural que não podia acabar bem. O seu ocaso ilustra, afinal, uma crise hoje mais alastrada e sombria. 

Entretanto, o DN deixou de ser diário, ‘travestindo-se’ em semanário, com os mesmos resultados desastrosos, enquanto os novos donos venderam a sede histórica no topo da avenida da Liberdade para especulação imobiliária, sem que ninguém mexesse um dedo – da autarquia ao Governo -, apesar de ser um edifício classificado.

Enquanto o DN agoniza, os mesmos donos despacharam a sede do Jornal de Notícias do Porto, numa zona nobre da cidade, realizando decerto mais-valias apreciáveis.

A crise da imprensa tem servido, assim, de capa para ‘vender os anéis’, sem que se aviste a salvação dos títulos. O que espanta é que tais transações nunca mereceram o menor escrutínio, nem dos outros media nem, muito menos, dos poderes públicos.

Subitamente, porque o Presidente da República se desdobrou em declarações sobre a crise e o financiamento dos media, o tema ocupou espaço em cena, com várias fingidas carpideiras’ a chorar o destino madrasto. 

Marcelo Rebelo de Sousa tem razões de sobra para se interessar pela sorte dos media, onde construiu a sua popularidade – media que hoje continuam a segui-lo acriticamente, no mais acabado estilo de ‘jornalismo pé de microfone’. 

No estertor do Estado Novo, um outro Marcelo – no caso, Marcello Caetano – ainda ensaiou um modo informal de comunicação com os portugueses, através das Conversas em Família, na RTP, vistas à época como um gesto de abertura do regime.

Instalada a democracia, Marcelo Rebelo de Sousa percebeu depressa, após apanhar o gosto pelo jornalismo no Expresso, que os media lhe eram essenciais para fazer política, uma paixão que nele despertou cedo.

Não surpreende, portanto, que tenha patrocinado a conferência organizada pelo Sindicato dos Jornalistas, finalmente preocupado com o estado da arte. 

Estes conclaves, a exemplo do Congresso dos Jornalistas de há quase três anos, são sempre propícios a virtuosas e grandiloquentes declarações de fé, carregadas de muita ingenuidade e não pouca utopia. 

Basta recordar um dos pontos das conclusões finais daquele Congresso, presidido por Maria Flor Pedroso – hoje controversa diretora de informação da RTP, que se deixou envolver por uma polémica nebulosa, que poderá arruinar-lhe a carreira e a dos seus adjuntos -, ao referir que «as condições em que se exerce hoje o jornalismo, pilar da democracia, comprometem o direito constitucional à informação, indispensável para o exercício pleno da cidadania».

De então para cá, que foi feito? E já agora, quantas vezes foi posta em prática e aplicada outra das conclusões do Congresso, que preconizava, expeditamente, o «boicote a conferências de imprensa sem direito a resposta»?…

A apatia tem ganho terreno e, à míngua de engenho para inovar, repetem-se os clichés. Se um jornal ou uma televisão se limitam a acolher, sem pestanejar, a agenda ditada pelo Governo, Presidente da República ou partido A ou B, mobilizando meios para nunca os perder de vista, hão de faltar inevitavelmente recursos para realizar trabalhos de maior fôlego e de investigação. 

Chega a ser deprimente observar a bizarra ‘floresta’ de microfones que persegue Marcelo ou António Costa, aonde quer que vão, como se ambos continuassem comentadores, tarefa em que se entretiveram com proveito anos a fio. 

E não se vislumbra que os responsáveis editoriais arrepiem caminho nesse seguidismo, que tem contaminado os media, empobrecendo os noticiários e afastando, por cansaço, leitores e espetadores.

Marcelo e Costa não precisam de aparecer todos os dias, cansativamente, em antena. E as audiências também não se conquistam com a colagem exaustiva aos roteiros do primeiro-ministro ou do Presidente. 

Claro que há medidas importantes a tomar para proteger os media da erosão, desde planos de incentivo à leitura, a bonificações fiscais e postais ou a outros estímulos em concreto para aliviar um pouco a gestão das empresas editoriais. 

Marcelo reafirmou na conferência de Cascais que «é tempo de acordar para uma responsabilidade dos poderes públicos». O problema é se os poderes públicos continuarem a ‘assobiar ao cochicho’, porque assim lhes convém… Longe vai o tempo em que Francisco Balsemão editou um livro intitulado Informar ou Depender?… 

Nota em rodapé: o Google publicou a lista das pesquisas dos portugueses este ano. À cabeça surgem os nomes de Ângelo Rodrigues, Flamengo, Eduardo Beauté. No conjunto, a lista não é menos deprimente. A indigência cultural soma e segue…