Brexit não chegou ao fim

Impasse que dura desde 2016 deverá começar a ser resolvido em janeiro.’Que comece a cicatrização’, declarou Boris Johson.

Westminster vai ser inundada por uma maré azul, quando os 364 deputados conservadores eleitos esta quinta-feira tomarem posse, a 17 de dezembro. São a maioria entre os 650 deputados britânicos e terão «concretizar o Brexit» como primeira prioridade. Ainda antes do Natal deverão começar a discutir o atual acordo de saída do Reino Unido da União Europeia, aprovado por Bruxelas e negociado por Johnson. Tudo indica que o aprovarão algures em janeiro, pondo fim ao impasse no Parlamento britânico que dura desde o referendo de 2016 – a rutura com a UE ficou praticamente garantida. «Que comece a cicatrização», declarou Johnson. Isto significa que estamos nos últimos episódios da saga do Brexit? Nem por sombras.

No momento em que o acordo de Johnson entrar em vigor, começa o contra-relógio do período de transição, até dezembro de 2020. Até lá, o Reino Unido e o resto da Europa terão de renegociar boa parte da sua relação, do comércio à cooperação na ciência, educação, segurança, passando pela política migratória. As negociações oficiais só deverão começar em março, mas Johnson só tem até junho para pedir uma extensão de um ou dois anos – algo que durante a campanha eleitoral garantiu que não precisava.

«O período médio de tempo para negociar um acordo de comércio é 48 meses», alertou Catherine Barnard, professora de Direito Europeu na Universidade de Cambridge, quando questionada em outubro pelo comité parlamentar para a saída da UE. E acrescentou, como dificuldade adicional: «Nunca antes tivemos um acordo de divergência, em vez de convergência».

A velocidade das negociações dependerá muito do grau de alinhamento que Londres estará disposta a manter com Bruxelas: por exemplo, a nível de regulações ambientais, fiscais e de qualidade. «Não queremos que sejam um competidor injusto», avisou o Presidente francês, Emmanuel Macron, mal foi conhecido o resultados das eleições britânicas. Se os conservadores «querem um acordo comercial ambicioso, eles sabem quais são os padrões europeus, a nível do clima, padrões sociais e tudo o resto», clarificou.

Aqui, Johnson está perante o proverbial pau de dois bicos. Por um lado, quer acelerar o processo ao máximo. Por outro, quer afastar-se das regulações europeias, para facilitar acordos comerciais com países fora da UE, com padrões mais baixos, como os Estados Unidos, de Donald Trump. «Parabéns a Boris Johnson», tweetou o Presidente dos EUA, prometendo que o futuro acordo entre os dois «tem o potencial de ser muito maior e mais lucrativo que qualquer acordo que pudesse ser feito com a UE».

 

O futuro ainda é incerto

Mesmo após o Parlamento britânico aprovar o acordo de Johnson, como parece certo, a saída não negociada deverá continuar em cima da mesa. O Reino Unido pode acabar por fazê-lo na mesma em 31 de dezembro de 2020, se não se entender com a UE: aliás, é este o cenário favorito de muitos dos conservadores mais eurocéticos.

Do lado oposto da bancada conservadora, onde se posicionam pesos pesados como a ex-primeira-ministra Theresa May e o antigo chanceler Philip Hammond, é preferido um alinhamento mais próximo com Bruxelas – e provavelmente uma extensão do prazo para negociar.

Outra hipótese é uma espécie de acordo provisório, como foi sugerido pela líder da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. «Teremos de prioritizar», declarou a líder da Comissão Europeia, prometendo focar-se em assuntos que «não têm um enquadramento onde se basear [sem as regras europeias] ou em que não é possível tomar medidas unilaterais de contingência». Ou seja, focar-se primeiro em setores como a segurança, pescas e comércio – que «ficarão à beira do precipício económico se não se lidar com eles até ao final de 2020», explicou Von der Leyen. E deixar outras pastas para depois, como o setor financeiro.