José Lopes (1958-2019). E no fim houve uma tenda

Muitos desconheciam a situação de profunda miséria em que vivia, mas houve também um núcleo que, sabendo das circunstâncias, o tentara ajudar. Recusou sempre, não aceitava esmolas: a única coisa que queria era trabalhar.

A Cinemateca era, há uns anos, a casa do ator José Lopes. Isto porque lá ia com frequência, acompanhando a programação e revendo amigos, e também porque a sua casa, no verdadeiro sentido da palavra, não existia: aos 61 anos, o ator vivia numa tenda junto à estação de Rio de Mouro, Sintra, há cerca de três anos. Foi lá que um amigo o encontrou, já morto. Depois, a notícia espalhou-se como um rastilho pelas redes sociais, com a comunidade da arte a pedir donativos para custear o funeral. O escritor Rui Zink, antigo colega de José Lopes, foi um dos nomes a fazer eco desse apelo, também envolto em remorso: «Não escapa a muitos de nós que melhor teria sido tal ser feito em vida. Não o funeral, mas o donativo solidário, para viver. Para não ser enterrado em vida, precisamente».

Também a atriz Carla Vasconcelos se insurgiu contra o desamparo com que muitos artistas se ombreiam. «De facto temos que ser corajosos para ser artistas nesta merda a que chamamos país e ainda manda o politicamente correto que nele haja orgulho».

Muitos desconheciam a situação de profunda miséria em que vivia, mas houve também um núcleo que, sabendo das circunstâncias, o tentara ajudar. Recusou sempre, não aceitava esmolas: a única coisa que queria era trabalhar. A junta de freguesia, contudo, sabia da situação e era amiúde visitado por assistentes sociais. «Era sempre muito correto, muito educado, com uma cultura, um discurso muito coerente e conexo. Era impossível interditar alguém assim, nunca ninguém com uma lucidez como a dele seria internado», explicou ao Expresso Bruno Parreira, presidente da junta, contando também que, a primeira vez que foram ao encontro do ator, este não tinha sequer o cartão de cidadão atualizado. Acabaram por conseguir convencê-lo a tratar dos documentos que, assim, possibilitariam o pedido do rendimento social de inserção, mas o ator insistia que nada queria do Estado – apenas trabalhar.

Foi, efetivamente, a trabalhar que se notabilizou. Por isso, na hora da sua morte tão sozinha vem também a tristeza de, face às circunstâncias, o seu percurso ser a segunda parte da notícia. Nascido em 1958, José Lopes foi dirigido por encenadores como Luís Miguel Cintra, na Cornucópia, ou Rogério de Carvalho. Teve muitos papéis no teatro, tendo entrado, a título de exemplo, em peças como Os Negros, Vida e Morte de Bamba ou Epopeia de Gilgamesh. No cinema, participou nos filmes independentes Adeus Lisboa, Interrogatório ou Longe. Foi ainda  professor na Escola Superior de Teatro e Cinema e fez parte do  Ensemble JER. E tinha uma filha.

José Lopes foi sepultado sexta-feira, no cemitério da Ajuda.