Índia. Deputado condenado por violação arrisca prisão perpétua

Kuldeep Singh Sengar era um homem poderoso, que violou uma rapariga de aldeia – a sua sentença deverá ser conhecida no final da semana. Pai da vítima morreu quando se encontrava detido.

Segundo as estatísticas, a cada 20 minutos uma mulher é violada na Índia. Mas o número real será certamente muito mais elevado: estes valores, referentes a 2017, refletem apenas as queixas-crime. Nesse ano foram abertos mais de 32 mil casos de violação, mas pouco mais de 18 mil chegaram ao fim nesse ano – elevando o número de casos pendentes para quase 128 mil. Até esta segunda-feira, um desses casos pendentes era o de uma jovem raptada e violada quando tinha 17 anos, por Kuldeep Singh Sengar, de 53 anos, então deputado estadual do partido governante, o Partido do Povo Indiano (BJP).

O incidente ocorreu no norte da Índia, em Uttar Pradesh, o estado mais populoso do país e um dos mais pobres, onde Sengar – oriundo de uma casta superior – foi eleito pela primeira vez em 2002. Mudou várias vezes de partido, mas levou sempre consigo os seus eleitores fiéis. “Era um partido por si próprio, como é o caso de muitos políticos na Índia”, explicou ao Guardian o analista Sharat Pradhan.

“Uma pessoa poderosa”, concordou o juiz encarregado do caso, Dharmesh Sharma, citado pelo Economic Times. Já a vítima – cuja identidade está protegida por lei – “é uma rapariga de aldeia, não é de uma área cosmopolita com acesso a edução”, acrescentou. Tudo isto terá contribuído para a inação policial quando a vítima e a sua família se deslocaram a uma esquadra para denunciar o crime, em abril de 2018.

A jovem contou aos agentes como foi levada a casa do deputado, a pretexto de obter emprego, em junho de 2017. Foi sequestrada e violada durante mais de uma semana, por vários homens, incluindo Sengar. Apesar do testemunho, as autoridades recusaram registar sequer a queixa.

O único resultado foi a retaliação do deputado que, juntamente com o irmão e outros cúmplices, invadiu a casa da vítima, atacando-a e à sua irmã, enquanto polícias assistiam, segundo contou a família. Já o pai das jovens foi espancado brutalmente e amarrado a uma árvore, enquanto tentava defender as filhas.

Surpreendentemente, quem foi detido foi o pai da vítima, acusado de posse ilegal de armas de fogo – a família assegura que as acusações foram forjadas. O caso ganhou destaque quando a jovem, desesperada, tentou imolar-se à porta de casa do líder do executivo de Uttar Pradesh, Yogi Adityanath.

 

Morto por proteger a filha A tempestade mediática levou as autoridades federais a responsabilizar-se pelo caso, mas foi tarde demais para o pai da vítima: morreu no dia seguinte ao protesto da filha, quando estava sob custódia policial. “Proteges a tua filha, acabas morto”, tweetou na altura o líder da oposição, Rahul Gandhi, criticando o Governo. 

 O drama da família não terminou aqui. Continuaram a viver num clima de medo, numa cidade em que “aqueles que expressam compaixão pelas vítimas o fazem em surdina, evitando culpar o deputado estadual [Sengar]”, escreveu um repórter do The Hindu em agosto de 2018.

Poucas semanas antes, o carro onde seguia a vítima foi abalroado por um camião, deixando-a em estado grave e matando duas das suas tias – Sengar está neste momento a ser julgado pelo seu envolvimento. Só então foi expulso do BJP, liderado pelo primeiro-ministro Narendra Modi.

 

Justiça? O ex-deputado estadual foi declarado culpado de violação de uma menor e de intimidação, mas a sentença só deverá ser proferida no final da semana – arrisca ser condenado a prisão perpétua. Entretanto, cada vez mais indianos pedem penas duras para violadores – deputados chegaram a exigir linchamentos em praça pública.

O assunto ressurgiu este mês, depois de a polícia de Hyderabad abater a tiro quatro homens desarmados que tinha sob detenção, suspeitos de violar e matar uma veterinária de 27 anos, cujo cadáver terão queimado debaixo de um viaduto. Os agentes foram recebidos como heróis por uma multidão, levados em ombros e banhados em flores. Apesar de garantirem que agiram em autodefesa, muitos duvidam da sua versão da história.

“Isto não é justiça”, criticou Kavita Krishnan, secretária-geral da All India Progressive Women’s Association, em declarações à Al Jazira. “É um substituto para investigação, para um sistema judicial que oiça de facto as vozes de vítimas e sobreviventes”, acusou, salientando as dezenas de milhares de casos de violação pendentes. E lembrando que ainda este mês as autoridades não impediram que um homem acusado de violação queimasse viva a sua vítima, quando esta ia a caminho do tribunal para testemunhar contra ele.