Por um Museu da Floresta

Carta aberta ao Senhor primeiro-ministro, à Senhora ministra da Cultura e ao Senhor ministro do Ambiente.

A política faz-se, também, aproveitando e criando oportunidades, tendo em vista as necessidades do País e do seu povo.

A Cimeira de Madrid sobre as Alterações Climáticas e a vontade manifestada pela nova Comissão Europeia, em matéria da verdadeira Revolução Climática que entende necessário promover e financiar generosamente na Europa, constituem oportunidades para concretizar muitos desígnios nobres neste domínio.
É um deles que nos propomos apresentar a V. Exas..
Considerando, 
– a floresta em Portugal uma plataforma de interações (nem sempre felizes) entre o ambiente, a economia, a ocupação do território e as aspirações das populações (rurais ou não);
 – a educação cívica e ambiental, a forma mais eficaz de promover a transição da economia do carbono para outras formas mais amigáveis da economia e do desenvolvimento;
– a Investigação, a Ciência e a Cultura as alavancas decisivas para essa transição;
– a floresta (o ecossistema florestal) um cadinho óbvio para mostrar, exemplificar e experimentar novos rumos na conservação da biodiversidade, no funcionamento dos ecossistemas e na produção e uso responsável dos recursos naturais renováveis;
– a junção das diferentes e valiosas valências da floresta, uma fonte de conhecimento, bem-estar e Desenvolvimento Sustentável (no conceito científico da expressão e não no seu uso e significado deturpado, vulgarizado e até errado).

Assim sendo, uma montra cuidada da Floresta, dos seus ecossistemas e das suas muitíssimas interações e partes interessadas, colocada à disposição dos cidadãos em geral e das gerações mais jovens em particular, pode contribuir para prosseguir um caminho novo de convivência entre a população portuguesa e o Território e a Natureza, com os quais diariamente interage.

No final dos anos 90 do século XX a Lei 108/99, de 3 de Agosto, determinou a obrigação da criação do Museu Nacional da Floresta, por proposta de um conjunto de deputados do partido do atual Governo, unanimemente acolhida pelo Parlamento.

Os terríveis fogos rurais (e florestais) de 2003, 2005, 2010, 2012, 2013, 2016 e 2017 – para apenas citar os anos nos quais a área ardida do território nacional excedeu os 100 mil hectares – três dos quais (2003, 2013 e 2017) com um preço em vidas humanas de tal magnitude que não pode ser esquecido pelas gerações vindouras – criaram de novo oportunidades políticas para a sua instalação que, decerto, só a escassez de meios financeiros não terá permitido concretizar, não obstante a garantia pública do anterior Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, de que o Museu ia avançar.

Hoje, porém, trazemos à consideração de V. Exas. a possibilidade de tornar o Museu Nacional da Floresta e da Paisagem (acrescentamos nós) uma realidade palpável, nascida com o apoio de todas as partes interessadas, à semelhança do que se passou com notáveis projetos museológicos nacionais recentes (e não só), – o Museu de Serralves, a Casa da Música, o MAAT-Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia e o Polo de Carcavelos da Universidade Nova, são bons exemplos. Nestes casos, foi a Sociedade Civil que lançou os projetos, os tornou viáveis e os mantém vivos e atuantes, naturalmente, com o óbvio e indispensável apoio e empenho dos diferentes Governos, Governantes e Autarcas, competentes e interessados em razão da matéria.

Para que o Museu Nacional da Floresta e da Paisagem seja uma realidade, é isto o que propomos a V. Exas.:
Lançar o projeto do Museu – sem cuidar de discutir primeiro a sua localização –, estimular as diferentes partes interessadas, de modo a salvar o que resta da documentação e da Biblioteca (sim, da Biblioteca!) dos antigos Serviços Florestais (pioneiros da Conservação da Natureza e da criação do Parque Nacional da Peneda Gerês e, entre outros, do Parque Natural da Arrábida); recolher os documentos e memórias, detidos por descendentes diretos ainda vivos, de figuras ímpares na Ciência Florestal Nacional, como Joaquim Vieira Natividade, Luís Filipe Mendes Frazão, Carlos Baeta Neves, Malato Beliz, Mário Azevedo Gomes, Albino de Carvalho, José Moreira da Silva e outros; reunir e classificar o acervo já existente e precariamente conservado (só um engenheiro e historiador florestal, recentemente, entrevistado por um semanário, mostrou um espólio único e precioso!), sem esquecer outros atores decisivos de atividades florestais (figuras como Américo Amorim, Belmiro de Azevedo e Manuel e Pedro Queiroz Pereira, por exemplo). Estas constituem tarefas que garantem à partida um Museu à altura do passado. Adicionalmente, muitos hoje na vida ativa, no domínio da Ecologia, da Biologia, da Silvicultura e da Biodiversidade – dentro e fora da Academia – bem como o movimento associativo dos proprietários florestais privados, dos baldios e das organizações não-governamentais de Conservação da Natureza que olham e consideram a floresta, são o garante de um Museu Nacional da Floresta e da Paisagem capaz de revelar o passado, de espelhar o presente e de antecipar e fazer escola para o futuro.

A colaboração inteligente e continuada do voluntariado e das instituições e organizações públicas e privadas que se relacionam com a Floresta (e a Cultura) na sua gestão e financiamento, é «a chave do segredo» da viabilidade do Museu e do seu potencial para satisfazer gritantes necessidades da Sociedade e ser um testemunho vivo, especialmente para os jovens, do papel imprescindível que a floresta desempenhou e deverá continuar a desempenhar no futuro…
Assim V. Exas. o queiram.
Dos milhares de milhões de euros que a Senhora Presidente da Comissão Europeia prometeu para o Dossier Verde europeu nos próximos anos, algo há de restar para apoiar e estimular adicionalmente a Sociedade Portuguesa a construir um verdadeiro Museu Nacional da Floresta e da Paisagem.
Ficamos todos a aguardar a resposta (conjunta, obviamente) de V. Exas. e do Governo de Portugal. 
 
Lisboa, 13 de Dezembro de 2019

Signatários (por ordem alfabética)

António Serrano (antigo minº Agricultura), António Sousa de Macedo (presidente do Colº Nac. de Engª Florestal da Ordem dos Engºs); Arlindo Cunha (antigo minº Agricultura); Armínio Ângelo Quintela (engº Silvicultor); Fernando Gomes da Silva (antigo minº Agricultura); Fernando José Mota (antigo dir.-geral Florestas); Francisco Avillez (prof. emérito da Univ. Lisboa); Francisco Carvalho Guerra (presid. IDARN); Francisco Jacinto Lopes (antigo chefe da Circunscrição Florestal de Évora); Francisco Moniz Borba (antigo secretº Estº Fomento Agrário e das Florestas); Henrique Pereira dos Santos (arqº Paisagista); Isabel Cabrita Saraiva (engª Silvicultora); João Flores Bugalho (antigo subdir.-geral Serviços Florestais); João M. A. Soares (antigo dir.-geral e secretº Est.º Florestas); José Saramago (engº Silvicultor); Luís Braga da Cruz (antigo minº Economia, presidente da Assoc. Florestal de Portugal); Maria Manuela Pedroso (engª Silvicultora); Raul Albuquerque Sardinha, prof. cat. Inst. Sup. Agronomia); Rui Oliveira e Silva (antigo presid. Estação Florestal Nacional); Tito da Silva Rosa (antigo presid. Instituto da Cons. da Natureza e da Liga para a Protecção da Natureza); Victor Louro (antigo secretº Estº Estruturação Agrária).