Julgamento de morte de Khashoggi é a “antítese da Justiça”

Khashoggi foi morto por uma equipa de agentes sauditas e o seu corpo foi desmembrado e transportado de volta para a Arábia Saudita.

Um tribunal da Arábia Saudita sentenciou cinco pessoas à morte, esta segunda-feira, por envolvimento no assassínio do jornalista Jamal Khashoggi. Mas a falta de transparência do julgamento está a ser criticada como a “antítese da Justiça”.

Khashoggi – autoexilado nos Estados Unidos – era um dos mais proeminentes críticos da Arábia Saudita e da liderança do príncipe herdeiro, Mohammed bin-Salman, com direito a uma coluna de opinião no Washington Post. No dia 2 de outubro, dirigiu-se ao consulado saudita em Istambul para obter um documento que o autorizava a casar-se novamente. Mas nunca mais de lá saiu.

Foi morto pouco tempo depois de entrar no consulado, por uma equipa de agentes sauditas que voou expressamente para Istambul para o executar. Desmembraram o seu corpo depois de o assassinarem e transportaram-no dentro de malas de volta para a Arábia Saudita, apuraram procuradores sauditas e turcos. Os restos mortais de Khashoggi nunca foram encontrados.

A notícia do seu assassínio correu o mundo e clarificou a brutalidade da liderança de Bin-Salman, antes visto como um líder que visava modernizar o país – e elogiado por muitos meios de comunicação ocidentais. Há inclusive indicações de que a morte de Khashoggi estaria incluída numa operação alargada de repressão de críticos internos e de fora do país, relatou o New York Times em março deste ano, citando fontes governamentais norte-americanas.

Uma investigação da CIA, um mês depois da morte de Khashoggi, concluiu que o seu assassínio não pode ter decorrido sem a autorização do príncipe herdeiro, tendo em conta a estrutura de poder em Riade. Uma conclusão que contraria a narrativa das autoridades do reino, que continuam a insistir que Bin-Salman desconhecia a intenção de matar Khashoggi, descrevendo-a como uma “operação pária”.

O veredicto chega mais de um ano depois da morte do jornalista e o julgamento decorreu em segredo, com as sessões de tribunal encerradas ao público. A Turquia acusou Riade de não cooperar na investigação do homícidio, o que as Nações Unidas argumentam poder ser considerado obstrução de justiça. Saud al-Qahatani, do círculo próximo do príncipe herdeiro, visto por alguns como o cérebro da operação e alvo de sanções norte-americanas por causa do homicídio, escapou à condenação por falta de provas, disse a procuradoria geral saudita.

“Resumindo: os assassinos são culpados, sentenciados à morte. Os mentores não estão somente livres. Mal foram tocados pela investigação e pelo julgamento”, criticou a relatora especial das Nações Unidas, Agnes Callamard, no Twitter, que chamou a este processo “a antítese da Justiça”. Callamard publicou um relatório sobre o assassínio de Khashoggi em junho, descrevendo a morte do jornalista saudita como uma “execução extrajudicial” promovida pelo estado saudita e apontando provas credíveis do envolvimento de Bin-Salman na operação.

Além dos cinco condenados à pena máxima, mais três pessoas foram sentenciadas a um total de 24 anos de prisão, segundo Shalaan al-Shalaan, porta-voz do procurador público saudita. Não se conhece a identidade de qualquer dos condenados. Diplomatas dos EUA, Turquia e outros países foram autorizados a assistir ao julgamento, mas estão proibidos por Riade de revelar detalhes.