Macau é exemplo de sucesso que Pequim quer para Hong Kong

Hong Kong e Macau estão separadas por cerca de 62 quilómetros, em linha reta, sobre o delta do rio das Pérolas, mas estão distantes na rota de sucesso que Pequim deseja, no cumprimento da política de ‘um país, dois sistemas’. A ‘Pérola do Oriente’ perde o brilho para cidades vizinhas, com Macau à cabeça.

O Presidente chinês, Xi Jinping, visitou Macau para presidir às comemorações dos 20 anos sobre a transferência da soberania de Portugal para a China e para empossar o novo chefe do Governo da Região Administrativa Especial (RAEM). Nas declarações que fez para caracterizar este período, elogiou o percurso feito pelo território no quadro da política de «um país, dois sistemas», utilizando palavras como «compromisso», «unidade», «harmonia» e «sucesso», destinadas a premiar os macaenses, mas muito especialmente a serem ouvidas do outro lado do Rio das Pérolas, em Hong Kong, depois dos recentes meses de turbulência.

Esta é a terceira vez que Xi Jinping visita Macau, depois de o ter feito em 2009, enquanto vice-presidente, para empossar Fernando Chui Sai On como chefe do Governo da RAEM; a seguir, em 2014, já como Presidente, para conferir a Sai On um segundo mandato; e agora, para dar posse a Ho Iat Seng como chefe do Governo, ele que foi presidente da Assembleia Legislativa de Macau. As visitas repetidas, especialmente esta última, feita em clima de tensão – não por causa de Macau, mas de Hong Kong –, são interpretadas como um prémio pelo caminho consistente que a região tem trilhado, registando um desenvolvimento económico robusto, mas sem conflitos e politicamente alinhada com Pequim.
Foi no discurso feito durante a cerimónia de tomada de posse do novo chefe do Governo que o Presidente da República Popular da China deixou os principais recados: «A experiência bem-sucedida de Macau diz muito sobre a viabilidade e força da política de ‘um país, dois sistemas’, desde que estejamos comprometidos e atuemos», disse Xi Jinping, acrescentando que, na concretização desta política, «o Governo e a sociedade da Região Administrativa Especial de Macau trabalharam para salvaguardar os interesses de soberania, segurança e desenvolvimento do país e para sustentar a prosperidade e estabilidade a longo prazo [do próprio território]». 

Na mesma altura, deixou aquele que foi percebido como um caderno de encargos para o futuro de Macau, mas interpretado como sendo uma indicação concreta do caminho que deve ser seguido pela vizinha Hong Kong, que partilha do enquadramento de Macau sob a política «um país, dois sistemas». 

O primeiro desejo manifestado pelo líder chinês é que as regiões especiais administrativas elevem o seu nível de governação, acompanhando os tempos e aprimorando as instituições, no cumprimento do primado da lei. Exortou, depois, a que melhorem os meios de subsistência da população e que persistam na adoção de uma abordagem inclusiva e na promoção da harmonia e estabilidade sociais. E isto foi dito perante uma assistência que incluía personalidades de Macau, mas, também, a chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam Cheng Yuet-ngor, assim como membros do seu gabinete e altos quadros da região administrativa, que ainda enfrentam contestação pública, com efeitos declarados além dos políticos e diplomáticos, com a perspetiva de crescimento económico a ser reduzida em dois terços, para um ritmo inferior a 1%. 

Alternativas para centros financeiros

Xi Jinping instou também os governos ao investimento, para que as regiões consigam um desenvolvimento económico sólido e sustentado, o que, no caso de Macau, passa pela diversificação da economia, além do jogo e do turismo. E é aqui que os caminhos das duas cidades se podem apartar, porque o não reconhecer, por parte de Hong Kong, das linhas vermelhas traçadas pelo regime podem ditar um enfraquecimento da relação com a China continental, que tem sido fundamental para o seu desenvolvimento.

A ideia instalada é que Pequim estuda alternativas ao papel que Hong Kong tem desempenhado como hub financeiro, que intermediou, entre 2010 e 2018, cerca de dois terços do investimento direto estrangeiro feito na China continental. No mesmo período, por ser um dos maiores mercados de capitais do mundo, foi palco de quase três quartos das ofertas públicas iniciais e de cerca de 60% das emissões de títulos de empresas chinesas no exterior. Por isso, quando se fala na diversificação da economia de Macau para área financeira, com a perspetiva de criação de uma bolsa de valores – em renminbi – que pudesse, em primeiro lugar, atrair as empresas instaladas na ‘capital mundial do jogo’, estamos a ver a construção de uma primeira alternativa, mas não a única. Este tipo de movimento é facilitado pelo peso que os bancos da China continental ganharam no sistema financeiro de Hong Kong, representando 37% do total dos ativos do setor bancário, e pela decisão das autoridades, que este ano iniciaram o processo de dar a Macau condições similares às dadas a Hong Kong para o setor financeiro, tendo sido um primeiro passo a emissão de títulos de dívida.

No caso de Macau, o papel central que lhe é apontado nos projetos de desenvolvimento da Grande Baía de Guangdong-Hong Kong-Macau – no plano publicado em fevereiro – são mais um sinal e, também, uma recompensa pela forma como tem sido feita a articulação entre aquilo que era o antigo território português e a China continental. «Tanto o Governo Central, como os chineses do continente, estão orgulhosos da experiência e implementação séria em Macau da política ‘um país, dois sistemas’», disse o Presidente chinês.

Hong Kong como parte da guerra comercial 

Uma das linhas vermelhas que Pequim não tolera que seja ultrapassada diz respeito à soberania. No discurso que fez em Macau, Xi Jinping sublinhou, para dentro, que «’um país’ é o pré-requisito e a base dos ‘dois sistemas’», e, para fora, avisou que «após o retorno à pátria de Hong Kong e Macau, os assuntos destas duas regiões administrativas especiais são totalmente assuntos domésticos da China», numa declaração fortemente aplaudida pelos presentes na cerimónia de posse do novo chefe do Executivo da RAEM. «O Governo e o povo da China estão firmes como uma rocha na sua determinação em defender a soberania, a segurança e os interesses de desenvolvimento do país», reforçou, assegurando, que a China «jamais tolerará» ingerências nos seus assuntos internos. 

Os Estados Unidos são os principais destinatários destas posições, já que Pequim tem acusado Washington de incitar os protestos em Hong Kong, numa altura em que as autoridades norte-americanas têm procurado tornar os protestos de Hong Kong uma questão diplomática internacional, o que pode ser lido à luz da guerra comercial que tem oposto os dois países como mais uma fonte de pressão. 

Crescimento como regresso à China

Hong Kong regressou primeiro do que Macau à soberania chinesa, a 1 de julho de 1997, enquanto a transferência do antigo território português só ocorreu ano e meio depois, a 20 de dezembro de 1999. 

Facto é que as duas regiões beneficiaram do elevado ritmo de crescimento económico registado pela República Popular da China para crescerem também; o produto interno bruto (PIB) de Hong Kong mais do que duplicou, entre 1997 e 2018, para cerca de 363 mil milhões de dólares norte-americanos (cerca de 327 mil milhões de euros); mas Macau, enquanto se transformava na capital mundial do jogo, viu a sua economia aumentar nove vezes, entre 1999 e 2018, para cerca de 54,5 mil milhões de dólares (cerca de 49 mil milhões de euros), o que faz com que apresente o segundo mais elevado PIB per capita do mundo, com 81,7 mil dólares (cerca de 73,5 mil euros), duplicando o registado em Hong Kong.

No entanto, apesar do crescimento económico, o peso de Hong Kong no conjunto da economia chinesa caiu de 16% em 1997 para 3% em 2018.

Ambas atraíram população: no caso de Hong Kong, cerca de um milhão de novos habitantes, fazendo o número de residentes ultrapassar os 7,4 milhões de pessoas, enquanto o crescimento em Macau foi da ordem dos 250 mil habitantes, para cerca de 670 mil. Tanto num caso, como no outro, os novos habitantes são oriundos, na grande maioria, da China continental.

É da pátria-mãe que vem também um dos principais motores do desenvolvimento das duas regiões, o turismo: a China é o maior emissor de turistas do mundo e cerca de metade dos cerca de 143 milhões de turistas que viajam para fora da China continental fazem-no para as regiões especiais e Taiwan (dados de 2017).