Clã dos Santos ataca clima de “caça às bruxas”

Sindika Dokolo, empresário e marido de Isabel dos Santos, deu uma entrevista bombástica a uma rádio angolana: fala de “vingança” e de “caça às bruxas cega” contra a família do ex-Presidente, de uma “tentativa de reescrever a história” e de “manchar o nome dos Santos”. Aumenta a tensão num país em que a crise económica se agrava e…

Desde que o ex-Presidente angolano José Eduardo do Santos se afastou do poder, em 2017, que o ambiente geral em Angola é de "caças às bruxas", denunciou o empresário congolês Sindika Dokolo, marido da empresária Isabel dos Santos, em entrevista à rádio angolana MFM. Enquanto Angola enfrenta uma dura crise económica (ver págs. 52-53), o genro de José Eduardo dos Santos acusou o Governo angolano, liderado por João Lourenço, de "tentar responsabilizar um pequeno grupo, de quatro, cinco pessoas" – leia-se, a família dos Santos – "por todos os problemas económicos que o país tem".

Esta entrevista de Sindika Dokolo coincidiu no tempo com uma outra, da sua mulher, Isabel, ao Observador, na qual a filha mais velha do ex-Presidente também classifica o comportamento das atuais autoridades angolanas como ‘persecutórias’ em relação a si e aos seus familiares. 

Tal como a sua mulher e os seus cunhados, Dokolo é acusado de ter sido beneficiado em negócios com o Estado pela sua proximidade ao ex-Presidente angolano. No caso do empresário congolês, a polémica centra-se na De Grisogono, uma marca de joalharia suíça que detinha em partes iguais com a Sodiam, diamantífera estatal angolana, que em 2017 decidiu sair unilateralmente da sociedade que controla a holding do grupo, menos de um mês depois do afastamento de José Eduardo dos Santos.

A manobra foi apresentada como uma maneira de retirar o Estado angolano da teia de negócios da família dos Santos, "por razões de interesse público e de legalidade", lia-se num comunicado da Sodiam da altura. Contudo, envolveu "má-fé e violação de clásulas importantes", nas palavras de Sindika Dokolo, que acusa a Sodiam de "suicídio económico", ao anunciar que a empresa de que eram proprietários conjuntos deu prejuízo, que poderia ter havido manipulação nas contas e "um problema de legitimidade do investimento logo à partida", em 2012. O empresário equiparou mesmo o comportamento da Sodiam a alguém que quer vender um carro e que anuncia que este tem montes de problemas e que pode até ter sido roubado: "É lógico que não vai conseguir vender o seu carro".

Qual o propósito?  "Instrumentalizaram todo este investimento para manchar o nome das pessoas e reescrever a história", declarou, na mesma semana em que a Assembleia Nacional angolana decidiu retirar o rosto de José Eduardo dos Santos das notas de kwanza – deixando apenas o rosto do primeiro Presidente angolano, Agostinho Neto. "Estão obcecados pela família dos Santos, querem ter um dia a satisfação de ver essa família completamente destruída", considerou o marido de Isabel dos Santos.

Agora, o caso da De Grisogono está nas mãos da justiça britânica, a que o empresário congolês recorreu, assegurando que em Angola, "no quadro atual, não teria nenhuma hipótese de ter um julgamento credível, justo". 
Entretanto, enquanto as empresas dos familiares de José Eduardo dos Santos estão na mira  das autoridades angolanas, "o nome de Angola é que está a ser machado, vai sofrer a longo prazo", alertou Sindika Dokolo, considerando que esta "caça às bruxas cega" prejudica a família dos Santos, mas prejudica também a credibilidade internacional de Angola e, logo, o povo angolano.

 

Acusações de nepotismo

"Claro que me podem criticar: ‘sim, mas o titular do poder Executivo era seu sogro então há nepotismo’. Francamente, deixa-me muito triste", respondeu Dokolo, confrontado com a acusação de que terá usado a sua influência para forçar a Sodiam a investir De Grisogono sem qualquer tipo de concurso público. O empresário acusou os críticos da família dos Santos de "inventarem conceitos". "O nepotismo não é um crime, nunca vi no código penal", notou, defendendo que se mantenham os "valores saudáveis do Direito".

Para o marido de Isabel dos Santos, o problema ultrapassa o envolvimento ou não de membros da família dos Santos e a sua perseguição. Deu como exemplo o decreto presidencial que entregou a subconcessão dos serviços móveis da Angola Telecom à Orascom Technology Systems, propriedade do bilionário egípcio Naguib Sawiris, em conjunto com sócios que "não sabemos quem são, mas podemos imaginar a que grupo de interesses pertencem". Quando acabar o mandato de João Lourenço, "seja quem for que ganhe as eleições não pode dizer que aquilo tudo não é normal, que a Angola Telecom foi  obrigada a fazer aquele investimento", avisa o empresário, frisando que cria um ambiente de instabilidade, destruindo "qualquer hipótese de Angola ser um dia um mercado atrativo para o investimento estrangeiro", como pretende o Governo. "Não vamos ter investimento estrangeiro que vá substituir os homens e mulheres de negócios de Angola", considerou Dokolo, alertando:  "O poder não tem esse luxo de perder tempo quando as necessidades da economia são tão gritantes".

 

Da mina até à jóia

O caso do investimento da diamantífera Sodiam  na marca de joalharia De Grisogono ilustra esse risco. Angola é um país rico em diamantes, mas este recurso historicamente sempre foi associado a mão de obra praticamente escrava e a corrupção gritante, muitas vezes para financiar atividades ilícitas ou conflitos armados. Não só os diamantes angolanos eram conotados com a imagem de diamantes de sangue, como o país estava no fundo da cadeia de produção. O objetivo declarado do investimento na joalharia De Grisogono seria alterar esse quadro, para controlar a produção "da mina até à jóia", nas palavras de Dokolo, que sonhava transformar a empresa da escala da De Beers ou da Harry Winston. "Era essa a visão", salientou o empresário, lembrando o preconceito que existia contra os africanos no mercado mundial. "Quando perceberam que éramos angolanos começaram a fechar as contas, a escrever  nos jornais", conta Dokolo, que destacou o projeto como avanço africano no mercado do luxo ("Mas africano negro, obviamente a Cartier pertence a um sul africano branco"). A De Grisogono chegou a comprar o maior diamante encontrado até então em Angola, com 404 quilates, que foi lapidado e transformado numa joia de 163,41 quilates, vendida em leilão pela Christie’s em 2016, por 33,7 milhões de dólares (28,4 milhões de euros). Contudo, após o escândalo à volta da empresa, as autoridades europeias certamente "não vão esquecer este circo", lamentou o marido de Isabel dos Santos.

 

‘Nome da família’

E como é que José Eduardo dos Santos está a reagir a tudo isto, pergunta o jornalista a Dokolo. O antigo chefe de Estado, com 77 anos, "está bastante afetado" por ver os seus filhos "atacados e perseguidos por pessoas que ele próprio promoveu". O marido de Isabel dos Santos comparou a sogro com um "velho pai, diminuido, frágil, reformado", que "tem qualidades  mas também defeitos". "Você vem e começa a bater nele publicamente, para todo o bairro ver, isso não honra o nome da família", lamentou Dokolo.