Despojos do Ano

Está na hora de as universidades, as magistraturas e a Ordem dos Advogados darem o seu contributo para o tema

Não sou dado a balanços e previsões, mas há alturas em que tem de ser. 

Papa Francisco. A ‘notícia’ veio no lixo da net: «Cardeais americanos têm plano para atacar o Sumo Pontífice». Disse para comigo… fake news! Agora que os jornais noticiam o fim do sigilo pontifício, em casos de abuso sexual, mudo de opinião. O chefe da Igreja está a pôr a mão no vespeiro. Não sei se o perigo virá da América ou se estará na Curia, mas, conhecendo a história do Vaticano, estará latente. Oxalá os que invocam o Papa Francisco se unam para o defender. Vai precisar.

Vergonha. Eis um caso que não se extinguirá com os votos de Boas Festas. Desenha-se um imbróglio em que a aparência está condenada a prevalecer sobre a substância: o deputado do Chega não parece homem para cedências e o Dr. Ferro Rodrigues ainda menos. Nuvens negras avolumam-se no horizonte.

Delação premiada. O julgamento do jovem Rui Pinto e do Footeball Leaks trouxe a debate os méritos do recurso à colaboração dos arguidos, que poderá ir desde o prémio pela ajuda na descoberta da verdade até à ressurreição da bufaria. Por enquanto, ‘todos ralham…’ e a discussão prossegue, marcada pela desinformação e pela confusão. Está na hora de as universidades, as magistraturas e a Ordem dos Advogados darem o seu contributo para substituir os sound bites. 

Tribo do futebol. Outro caso que abre os telejornais é Alcochete, e o que se vai revelando é tenebroso. Começa-se a perceber que Portugal não está imune à criminalidade que tomou conta do futebol. Urge escrutinar os montantes, a origem e o destino dos dinheiros.

Assertividade. Continuou o uso, a propósito e a despropósito, mas, antes esta que a detestável ‘implementação’. Um dos meus desejos para 2020 é que os falantes públicos consigam ser objetivos, diretos, afirmativos, categóricos, entendíveis, cristalinos, estritos e rigorosos, mas que nos poupem a cacofonias. 

Mulheres na política. E também na economia, na ciência, no ensino, no desporto, nas artes. Cada vez mais e ainda bem. Contacto frequentemente com mulheres autarcas, tanto a nível de concelho, como de freguesia. Os burocratas, emproados e inúteis, foram substituídos. Valeu a pena! 

Violência doméstica. Mais um ano de dramas e tragédias. Não há informação segura que permita aferir se são mais os casos ou se são mais noticiados. Não releva. Um único caso de agressão, chantagem ou coação, já seria intolerável. O ensino é um posto privilegiado de observação da realidade, e o que se vê remete-nos para o poeta: ‘mas as crianças, Senhor…’ 

Mozart. Perguntará o leitor a que propósito Wolfgang Amadeus Mozart é aqui chamado. É, ainda, a violência. No caso, a violência exercida por uma sogra que não conhecia limites para a fúria, a frequência e a duração dos sermões pregados a um indefeso Mozart. Premonitório na denúncia da sibilina tortura, Milos Forman imaginou a cena mais hilariante do seu Amadeus, com a sogra-galinha a cacarejar a torrente de palavras com que martelava os ouvidos do infeliz.