Partidos, caciques, jotas e poder

0 PSD vai hoje às urnas escolher o líder do partido para o próximo biénio. Mais uns dias e será a vez do CDS. E a seguir, passados mais uns tempos, o PS – ainda que, neste caso, o líder, primeiro-ministro em exercício, vá a jogo sem concorrência nem contestação.

O processo de escolha e eleição dos respetivos líderes difere de partido para partido.

O PSD fá-lo por eleição direta dos militantes, agora a duas voltas se nenhum tiver 50% dos votos mais um (à primeira), o CDS mantém-se fiel aos tradicionais congressos, de maioria simples, e o PS regressa este ano à votação direta alargada a simpatizantes.

Independentemente, porém, da diferença dos métodos, a verdade é que, em todos eles, é cada vez mais decisivo o controlo do aparelho, seja por via da secretaria-geral, seja por via de estruturas de âmbito nacional (como as juventudes partidárias) ou local (distritais e concelhias). Ou seja, pelo domínio das respetivas ‘máquinas’.

O amadurecimento da democracia, em matéria de partidos, traduziu-se na prática no reforço do clientelismo, do caciquismo, do aparelhismo.

Os partidos não estão mais democráticos – bem antes pelo contrário!

Nem estão mais descentralizados – também muito ao invés!

Em todos os partidos, as guerras políticas nos partidos ganhavam-se nas sedes nacionais – nos conselhos nacionais e nos congressos – com o apoio dos principais líderes distritais e mesmo concelhios, que eram determinantes.

Porque os líderes ou personalidades referenciais locais dos partidos eram, no passado e até aos idos anos 90 do século passado, os principais agentes das terras, impulsionadores da vida social, económica e cultural… e, portanto, também política. Logo, deixavam de ter peso meramente local para assumir uma dimensão nacional.

E tinham peso no partido à escala nacional na medida ou proporção do peso que tinham na respetiva comunidade local ou regional.

Assim, as figuras nacionais do partido eram personalidades que se afirmavam localmente, em Viana do Castelo, em Braga, no Porto, em Aveiro, Viseu ou Vila Real, em Bragança, na Guarda, Castelo Branco ou Portalegre, em Coimbra, Leiria, Santarém, Setúbal, Évora, Beja ou Faro. E o mesmo sucedia na Madeira ou nos Açores. Lisboa, sendo a capital e o centro de todas as decisões, tinha quase o mesmo valor relativo.

As terras, distritos ou concelhos, só tinham a ganhar com esse poder, real e reivindicativo, conquistado pelos seus representantes ou eleitos provenientes dessas ‘elites políticas’ ou que a elas ascendiam.

Era assim em todos os partidos. Do PS ao PSD, passando pelo CDS e até pelo PCP.

Havia mesmo quem ganhasse real poder por se julgar que já o tinha sem o ter.

De Eurico de Melo, por exemplo, dizia-se que tinha poder em Lisboa porque na capital se julgava que ele tinha muito poder no norte e que tinha poder no norte porque aí se julgava que ele tinha muito poder em Lisboa.

Também assim era no PCP, mas o ‘centralismo democrático’ e a sobrevalorização do ‘coletivo’ disfarçavam os ‘controleiros’ – mas também os havia.

Nos tempos que correm, porém, a realidade partidária é substancialmente diferente. Para pior. Para muito pior.

Já não há elites locais, regionais ou nacionais verdadeiramente empenhadas e ativamente envolvidas na vida interna dos partidos.

Os líderes concelhios e distritais acabam hoje por confundir-se com o carola que faz por manter a sede aberta ou que ganha uns cobres com a venda de uns cafés e de umas sandes. Ou com jovens que apostam em carreiras paralelas à colagem de cartazes, colocação de outdoors e mupis ou distribuição de panfletos.

É essa a realidade comum a todos os partidos com história e até àqueles que, bem mais recentes, rapidamente ganharam tais vícios de crescimento.

Ao contrário de há umas décadas, hoje ninguém sabe quem é o homem forte do partido A, B ou C em Aveiro, Bragança, Faro ou até mesmo no Porto ou em Lisboa.

As ‘elites’ – sociais, económicas, culturais – fugiram da política a sete pés e os verdadeiros influenciadores são hoje só caciques ou tasqueiros dos aparelhos partidários, criados e selecionados nas ‘jotas’.

Já faz, aliás, bastante tempo que um destacado dirigente partidário e ex-ministro recusou voltar a integrar um Executivo dizendo que, com o que ganha um político e a exposição a que tem de sujeitar-se e aos seus familiares, ‘mais vale ter um amigo governante do que sê-lo’.

O poder passou em grande parte para a sombra das esferas de influência, sendo que o escrutínio continuou a fazer-se quase só a quem ocupa cargos políticos e públicos e apenas enquanto os ocupa.

A política partidária perdeu nobreza na missão e altruísmo entre os seus agentes. Foi tomada de assalto por gente desqualificada, pelo amiguismo, pelo clientelismo, pelos lóbis assumidos e não assumidos…

Há exceções, claro. Mas, por regra, são exatamente esses os alvos a abater pelos aparelhos partidários.