A ficção de uma ‘capital verde’…

Desde que António Guterres apareceu numa capa da revista norte-americana Time, de fato e gravata, fotografado com uma expressão entre o acabrunhado e o pesaroso, com água até aos joelhos, a chamada ‘emergência climática’ ficou na ordem do dia, mesmo depois do fiasco da Conferência do Clima de Madrid (COP 25), patrocinada pela ONU, e…

Com essa capa, que deu nas vistas pelo lado surreal e caricato, pretendia ilustrar-se, simbolicamente, a profecia segundo a qual ‘o nosso planeta está a afundar-se’. Felizmente, o planeta continua vivo e recomenda-se – e não consta que, aparte algumas desgraças que sempre aconteceram, a visão apocalíptica de alguns iluminados antecipe o fim do mundo.

Ou seja, «a batalha das nossas vidas», bandeira empunhada por Guterres neste seu mandato nas Nações Unidas, ‘segue dentro de momentos’, embora lhe sirva de tema simpático (e grato às esquerdas náufragas…) para o poupar a outras maçadas, como, por exemplo, a situação degradada da Venezuela, com o dramático êxodo maciço de populações para os países limítrofes.

Como o Parlamento Europeu também aderiu à moda e declarou, em Novembro passado, a «emergência climática e ambiental», pode imaginar-se a felicidade de Guterres ao voltar a Lisboa para celebrar a consagração como ‘capital verde’.

E até a nova presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, prometeu empreender uma «verdadeira transformação» da Europa nos próximos cinco anos, sustentada num novo ‘Green Deal’ para o combate às alterações climáticas.

Se a ideia tivesse sido perfilhada pelos seus antecessores mais recentes, de Durão Barroso a Jean-Claude Juncker, estes teriam evitado não poucos sarilhos em que estiveram envolvidos na presidência da Comissão Europeia, desde o Brexit ao problema dos refugiados, alimentado por traficantes e salvos in extremis no Mediterrâneo.

Claro que o ‘Green Deal’ não impressiona os grandes poluidores do planeta, como a China, mas para o caso pouco importa.

Como a conferência de Madrid foi uma «oportunidade perdida» – Guterres dixit –, presume-se a alegria de Fernando Medina ao ver Lisboa eleita ‘Capital Verde Europeia’, decerto partilhada com o infatigável vereador do Ambiente, José Sá Fernandes – que arranjou emprego permanente na autarquia, desde que ali entrou em 2007 pela mão do Bloco de Esquerda –, que se tem desdobrado a semear ciclovias e pilaretes pela cidade.

Claro que ser ‘Lisboa Green Capital’ tem custos associados e, para além da festança de lançamento, o orçamento municipal contempla 60 milhões de euros de investimento para o efeito. Uma bagatela.

Estranhamente, a mesma ‘capital verde’ é classificada, num estudo recente, entre as cidades com trânsito mais caótico do mundo, surgindo em 74.ª no ranking que coloca Calgary, no Canadá, no topo das melhores para conduzir.

É difícil perceber o anacronismo de uma cidade ser, simultaneamente, ‘verde’ e uma das mais caóticas, mas adiante.

A governação socialista está instalada em Lisboa, ininterruptamente, desde 2007, quando António Costa foi eleito para um mandato partilhado com Fernando Medina, seu herdeiro natural nos Paços do Concelho e virtual delfim no PS, em concorrência de ‘punhos de renda’ com Pedro Nuno Santos, o atual ministro das Infraestruturas.

Antes, a edilidade serviu de trampolim a Jorge Sampaio para ganhar fôlego e candidatar-se a Belém, sem nunca ter ousado mergulhar no Tejo, um feito reservado ao seu opositor à época, Marcelo Rebelo de Sousa, cuja campanha eleitoral ficou na história das excentricidades.

O rio tornou-se entretanto menos poluído desde que começou a funcionar a estação de tratamento lançada por Krus Abecasis, que ainda estava inoperacional aquando do célebre mergulho de Marcelo, e que o ‘vacinou’… A cidade, porém, está muito mais poluída pela circulação automóvel que a inferniza, devido aos estrangulamentos dos principais eixos viários. Medina tem patrocinado uma cidade ‘friendly’ para os turistas e consentido que seja hostil para os moradores.

Ao adotar-se a patetice das ciclovias por tudo quanto é sítio, à pala da ‘mobilidade’, sobram os corredores ‘exclusivos’, onde não se avista quase ninguém, enquanto se asfixiam artérias vitais para o escoamento do tráfego urbano.

Depois, a praga dos tuk-tuks sem ‘rei nem roque’, juntamente com trotinetas e bicicletas de aluguer, reforçou a ‘balda’ que aflige Lisboa.

Expulsam-se os moradores dos centros históricos, em nome do alojamento local; inventam-se hotéis por toda a parte; desfigura-se a Baixa pombalina, ‘reconvertida’ à restauração; e o património classificado é vendido para especulação imobiliária. Mas há outra cidade em espera, que continua ao ‘deus dará’, por não ter a bênção de figurar nos roteiros turísticos.

Como os transportes públicos funcionam mal, da Carris ao Metro, o recurso ao transporte particular é cada vez mais intenso, até pelo facto de as populações terem sido empurradas para as periferias, devido aos preços proibitivos da habitação em Lisboa.

Lisboa está cercada de ‘ilhas-dormitórios’, com milhares de carros a entrar e a sair todos os dias da cidade, influenciando negativamente o ambiente, problema que não se resolve com o chamado ‘Programa de Renda Acessível’, outra utopia de Medina.

Ao figurar no pódio das 100 cidades mais congestionadas do mundo, Lisboa tem uma densidade de carros per capita superior às de Barcelona, Berlim ou Estocolmo.

É um título que Medina poderá emoldurar e dependurar no gabinete, ao lado do equívoco de nomear Lisboa ‘Capital Verde Europeia’…

Recorde-se que, já em 2016, o PCP reconhecia na Assembleia Municipal que a ausência de medidas na melhoria dos transportes públicos seria um «mau prenúncio da tempestade de trânsito caótico».

O PCP não errou na análise; nem o CDS quando Assunção Cristas denunciou, logo no ano seguinte, a «vida infernal» dos lisboetas no trânsito. Qualquer dos avisos ‘caiu em saco roto’ e foi ignorado olimpicamente por Medina.

O balanço da gestão autárquica de Lisboa é dececionante, mas Medina já sonha com a regionalização. A capital, ainda que ‘verde’, sabe-lhe a pouco…