Portugal está a ficar perigoso?

Para diminuir a violência nas escolas, nos hospitais, nas ruas, na noite ou entre casais o Governo tem de dar um murro na mesa e dizer ‘Basta!’

Uma das mais-valias turísticas de Portugal, para lá do clima e do contacto com o mar, sempre foi a segurança. Portugal passava por ser, com justiça, um dos países mais seguros do mundo.
Claro que para isso também contribuiu a ditadura. É muito mais fácil controlar a criminalidade em ditadura do que em democracia. Não apenas pela maior presença da autoridade mas também pela censura aos media. De facto, está provado que a divulgação de notícias de crimes contribui para a sua multiplicação. Neste aspeto, o aparecimento da CMTV, o canal televisivo do Correio da Manhã, teve um efeito perverso.
E não o digo para o condenar. A informação é o que é – e qualquer tentativa para a condicionar acaba inevitavelmente mal. A sociedade tem de se habituar a conviver com o mediatismo. O que não invalida que aqui e ali ele se revele pernicioso.

Mas seja por brandura policial – ou judicial – própria da democracia, por efeito mediático ou pela própria mudança dos tempos, Portugal começa a ser um país perigoso.
Ainda não é perigoso para os turistas – embora a atividade dos carteiristas provoque mossas e não contribua em nada para uma boa imagem lá fora. Mas entre nós – entre os que cá vivem – a violência começa perigosamente a banalizar-se.
É a violência nas escolas, que está a criar um clima de terror entre alunos e professores, e ameaça propagar-se – porque os jovens funcionam muito por imitação. Se o Estado não põe cobro aos fenómenos de bullying, rixas entre grupos de estudantes, ataques a professores, etc., as escolas tornar-se-ão dentro em pouco campos de batalha.
O mesmo se diz para a violência nos hospitais. Os médicos são umas vítimas fáceis, pois é sempre possível responsabilizá-los pela morte de um doente, por um tratamento que não resultou, por um diagnóstico errado, por um exame que não foi receitado, pela recusa em passar uma baixa, etc. Se este surto de violência não for reprimido com vigor, o ambiente nos hospitais e centros de saúde poderá ficar fora de controlo. 

E depois vem o ‘crime passional’. Há quem não goste do termo, preferindo falar de ‘violência doméstica’. Mas erradamente. Porque a maior parte das mortes dá-se depois da rutura do casal e não em ambiente ‘doméstico’. O leit-motiv é o ciúme e não questões do dia a dia. Há um padrão cada vez mais vulgar: um casal acaba a relação, a mulher arranja um novo companheiro, o ex-marido ou ex-namorado não aceita a ‘humilhação’ e parte para o crime. A todo o momento acontecem casos destes – a ponto de se poder dizer que uma mulher que troca de companheiro corre hoje sério risco de vida. 

Há também os assaltos, cada dia mais frequentes. Que antes eram feitos sob a ameaça de armas de fogo – o que os tornava mais raros, pela dificuldade de acesso às armas – e que hoje são executados com simples facas, que se arranjam em qualquer lado. E esses assaltos, às vezes sob o efeito de drogas – ou para conseguir dinheiro para a droga –, podem acabar mal, como aconteceu com o jovem engenheiro Pedro Fonseca morto no Campo Grande. O crime à facada era um fenómeno do séc. XIX que ressurgiu no séc. XXI.
Finalmente, há os ‘crimes da noite’, ocorridos de madrugada depois de noites passadas em bares ou discotecas a beber. A sua frequência também assusta. Podem resultar de discussões fúteis estimuladas pelo álcool, ou terem um fundo racista, ou constituírem rixas entre gangues – se bem que estas também possam ocorrer fora do ambiente noturno. O jovem cabo-verdiano Giovani Rodrigues foi a última vítima deste tipo de crime. 
E já não falo aqui dos crimes no futebol, que também têm vindo sempre a crescer e tiveram a sua manifestação mais brutal na invasão de Alcochete. Mas esses correspondem a outro contexto.

Qualquer Governo tem de olhar para a violência muito a sério. Deixá-la crescer é arriscadíssimo. Mas para conter a violência é preciso prestigiar a Polícia e não a desautorizar, como tantas vezes se tem feito. E a Polícia não pode ter receio de atuar de forma musculada. Por outro lado, os juízes têm de começar a ser implacáveis mesmo na punição da pequena criminalidade – porque os pequenos crimes, se não são punidos, conduzem aos grandes. 
Prestigiar a Polícia e incentivá-la, não recear as ações de força, punir exemplarmente os prevaricadores – é isto que é preciso fazer. Ora, tem-se vindo a caminhar exatamente no sentido contrário: tem-se desprestigiado a Polícia, têm-se desincentivado as intervenções musculadas, e os juízes têm sido brandos na aplicação da lei (ou a própria lei é branda, o que vai dar ao mesmo). 
Mais vale prevenir do que remediar.
Para diminuir a violência nas escolas, nos hospitais, nas ruas, na noite ou entre casais, o Governo tem de dar um murro na mesa e dizer ‘Basta!’. Aí está um tema em que Marcelo Rebelo de Sousa já devia ter falado.