A sabedoria dos camelos

Hoje talvez não tanto, mas outrora era muito comum usar-se a palavra ‘camelo’ como insulto. A verdade é que, se soubéssemos as coisas extraordinárias de que estes animais são capazes, rapidamente perceberíamos que, na maioria dos casos, chamar ‘camelo’ a alguém seria um elogio…

Apercebi-me disso ao folhear Camel (ed. Reaktion Books), de Robert Irwin, que pertence a uma coleção de livros sobre animais que têm suscitado as críticas mais entusiásticas, e que é apresentado como «a primeira pesquisa a analisar o papel deste animal na sociedade e na história de todo o mundo».
Vejamos o que nos diz então o autor sobre as aptidões destes simpáticos ungulados.

«É possível que os camelos machos usem as estrelas na navegação. A camelo fêmea líder [da caravana] urina a cada seis quilómetros para assinalar o caminho para aqueles que a seguem». Curiosamente, a urina dos camelos pode ter ainda outras funções. «É espessa, salgada e viscosa», descreve Irwin. «Também é bastante quente e nas manhãs mais frias os Beduínos usam-na por vezes para nela aquecerem as suas mãos»…

Ocamelo é por excelência o animal do deserto, e para isso precisa de características perfeitamente singulares que lhe permitem sobreviver nesse meio estéril e adverso.

«Os olhos, que são grandes e suaves, projetam-se para baixo para que o camelo veja onde está a pisar. Há uma terceira pálpebra que é uma defesa contra a poeira soprada pelo vento e que pode limpar os grãos dessa areia. As sobrancelhas espessas e cerradas e uma dupla fila de pestanas também contribuem para isso».

Além de três pálpebras (em cada olho, naturalmente), os camelos possuem também três estômagos. E não são particularmente esquisitos com o que comem. Apreciam as acácias e as tâmaras (com caroço) mas também se contentam com plantas espinhosas. Irwin cita o jornalista e fotógrafo suíço Georg Gerster, que falava de um camelo que «desenvolveu uma paixão desenfreada por solas de sapato, fossem de borracha ou de couro, e sem se importar com os pregos. Não sei o que mais me espantava, se a aparente abundância de solas deitadas fora no deserto, se o gosto adquirido do camelo pelo trabalho manual delapidado de um qualquer sapateiro do oásis».

Terminemos com o mais impressionante. «Um camelo desidratado pode beber 27 galões [mais de cem litros!] de água em dez minutos», uma quantidade letal para qualquer outro mamífero. «Pode beber água com uma concentração de sal mais elevada do que a do mar. Pode estar até 30 dias sem beber água, desde que haja pasto decente, e de cinco a sete dias sem água nem comida».

Digam lá se o camelo é ou não um animal extraordinário? E nem foi preciso falar das bossas.