Livre? Livra!

‘Quem com ferro mata, com ferro morre’, já reza o provérbio – que é como quem diz ‘cá se fazem, cá se pagam’, como também usa o povo.

A Política – como a História – tem coincidências absolutamente extraordinárias.

‘Quem com ferro mata, com ferro morre’, já reza o provérbio – que é como quem diz ‘cá se fazem, cá se pagam’, como também usa o povo.

O Livre reúne hoje e amanhã o seu órgão máximo – convenção nacional – para eleger novos órgãos dirigentes e votar 18 moções, entre as quais uma que prevê um convite à deputada única do partido para que renuncie ao mandato ou, caso se recuse a fazê-lo, que em alternativa lhe seja retirada a confiança política, ‘condenando’ Joacine Katar Moreira a não mais representar o partido na Assembleia da República e a passar à condição de parlamentar independente.

Para os subscritores da moção, a deputada Joacine Katar Moreira levou à «degradação da imagem pública e da credibilidade do partido», não só com as posições que veio assumindo em algumas votações (leia-se Gaza), mas também com a fraca produtividade em termos de atividade parlamentar.

Os principais dirigentes do partido, quer em fim de mandato quer os candidatos ao próximo, rapidamente vieram a público demarcar-se desta moção.

Porque ainda que o boletim de voto em que o eleitorado colocou a cruz e que valeu a eleição a Joacine Katar Moreira tivesse lá a sigla do Livre e a papoila que o simboliza, a verdade é que o mandato foi conquistado pela cabeça de lista pelo círculo eleitoral de Lisboa, a dita Joacine, só podendo esta ser substituída se a própria tomar a iniciativa de suspender ou renunciar ao mesmo. De outro modo, é o Livre quem volta a ficar fora do espetro parlamentar.

 

É assim no sistema eleitoral português e não há volta a dar.

E, há que reconhecer, no caso do Livre e de Joacine, ainda faz mais sentido que assim seja.

Com efeito, o voto no Livre em Lisboa não pode ser dissociado da sua cabeça de lista nem do facto de esta ser uma mulher de origem guineense com uma acentuada gaguez.

Aliás, se dúvidas houvesse sobre as razões que levaram o Livre a escolher para cabeça de lista Joacine Katar Moreira, agora, está tudo dito.

Podem não ser dirigentes a assumi-lo, mas é gente do partido e militante, de outro modo não estava minimamente preocupada nem com a imagem nem com a credibilidade do Livre e da sua deputada.

Ora, se apenas poucos meses passados sobre as eleições são eles próprios quem não reconhece a Joacine Katar Moreira nem preparação nem partilha de valores e princípios fundamentais para esta bem representar o Livre, isso quer dizer o quê?

 

Na página oficial do Livre na web, sob a epígrafe ‘Princípios’ e o lema ‘Um partido para facilitar a ação política dos cidadãos’, pode ler-se: «Primárias abertas e inclusão – Um partido deve ser um instrumento para facilitar a participação política dos cidadãos, e não para servir de gargalo às possibilidades de representação. Democracia deliberativa – O debate dentro do partido e com a sociedade em geral é um processo contínuo de aprendizagem. Os membros e apoiantes não são correias de transmissão, mas criadores de programa político».

Ora, se assim é, não há qualquer razão para alguém censurar ou afirmar a sua «perplexidade» com os atos e omissões de Joacine Katar Moreira.

Pelo menos no Livre.

Nomeadamente, pelos princípios que propala.

E, já agora, pela sua origem: o Livre nasceu a partir da rutura de Rui Tavares com Francisco Louçã. Em 2011, o historiador ficou perplexo com um texto do então coordenador do BE nas redes sociais, exigiu-lhe um pedido de desculpas e, face à inexistência de retratação, abandonou o BE. Mas ficou com o lugar de eurodeputado, para o qual fora eleito, em 2009, como número 3 (atrás de Miguel Portas e de Marisa Matias) das listas do Bloco, passando à condição de independente.

 

O Livre surgiria formalmente no início de 2014, apresentando-se às europeias de maio desse ano com Rui Tavares como cabeça de lista. Não foi eleito. E, nessas eleições, o BE teve pouco mais de 4%, reconquistando apenas um mandato.

O Livre é livre de fazer o que entender com Joacine Katar Moreira – e, pelo andar das carruagens, dificilmente não acabarão em colisão frontal.

Da qual nenhuma das partes vai livrar-se incólume.

Bem muito pelo contrário. Porque na Política – como na História – há coincidências absolutamente extraordinárias.