Medvedev, alter-ego de Putin relegado para os bastidores

Medvedev era impopular devido à desaceleração económica e a acusações de corrupção.

«Medvedev senta-se no lugar do condutor de um carro novo. Examina o interior, o painel de instrumentos, os pedais, mas falta o volante. Vira-se para Putin e pergunta: ‘Vladimir, onde está o volante?’ Putin tira um controlo remoto do bolso e diz: ‘Vou ser eu a conduzir’». A anedota não é nova, e talvez seja mais engraçada em russo: era muito popular em Moscovo, em 2008, lê-se numa comunicação entre diplomatas norte-americanos, divulgada pela Wikileaks. Na altura, Dmitry Medvedev acabara de ser eleito Presidente russo, substituindo Vladimir Putin, que chegara ao seu limite de mandatos presidenciais – voltaria ao posto após o mandato de Medvedev.

Não surpreende que, face às críticas do Presidente russo, Medvedev, de 54 anos, tenha decidido demitir-se horas depois, em conjunto com o seu Executivo, abrindo caminho às reformas constitucionais desejadas por Putin.

Após agradecer os esforços do seu primeiro-ministro durante o discurso do estado da Nação, esta quarta-feira, o Presidente russo acrescentou: «Nem tudo funcionou claro – contudo, nada funciona completamente». Após a demissão do seu Governo, Medvev declarou: «Todas as decisões adicionais serão tomadas pelo Presidente».

Por detrás das críticas está a crescente impopularidade de Medvedev – tem uma taxa de aprovação de 28%, segundo uma sondagem da FOM – e não ajuda que o  ex-primeiro-ministro tenha o hábito de adormecer em eventos públicos. Mas os dois grandes fatores parecem ser as acusações de corrupção – um vídeo do opositor Alexei Navalny, em que acusa Medvedev de controlar uma rede de propriedades de luxo, teve mais de 27 milhões de visualizações no Youtube – e a desaceleração da economia. Aliás, no seu discurso do estado da Nação, «Putin focou-se muito em questões internas», nota Sónia Sénica, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa.

E, agora, quem poderá suceder Putin na presidência, em 2024? «Essa é a questão de um milhão de dólares», responde a Sénica. «Medvedev era uma possibilidade, mas com esta situação parece-me que fica fora», afirma a investigadora do IPRI. Contudo, tendo em conta a nomeação de Mikhail Mishustin como primeiro-ministro – até então era desconhecido pelo povo russo –, o sucessor «pode ser qualquer pessoa», considera a Sénica.

«O que me parece claro é que o Presidente Putin quer manter-se no poder», acrescenta. E, até 2024, «muita coisa pode acontecer».