A montanha pariu um rato!

A história do livro do cardeal Sarah e de Bento XVI, que veio a público esta semana, parece um filme tirado da Netflix, mas não é! O que se disse acerca dos dois Papas, das lutas de poder e de dominação entre cardeais no Vaticano parecem tiradas do filme Dois Papas, que até ao momento…

Afinal o que é que aconteceu? O Papa Bento XVI avançou com um artigo para um livro sobre o celibato e depois arrependeu-se? Bento XVI não sabia o que estava a escrever e foi manipulado pelo cardeal Sarah? Está a haver um jogo de poderes entre as fações conservadoras – mais ligadas a Bento XVI – e as fações mais progressistas – supostamente ligadas ao Papa Francisco?

Não será demais dizer que o cardeal Sarah é um dos homens mais sérios e com provas dadas de amor à Igreja e à humanidade e que nos últimos anos não se tem cansado de escrever um conjunto de livros onde aborda a sua perspetiva sobre a Igreja e sobre o mundo. Vale a pena ler o seu curriculum. Ele nunca escondeu a forma como vê a Igreja no mundo e nunca escondeu o que pensa de temas ligados à liturgia, à doutrina e à vida espiritual estão amplamente abordados nos seus livros.

Há que referir ainda que o mesmo cardeal Sarah é Perfeito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos que tutela toda a liturgia da Igreja Católica e que está debaixo da autoridade do Papa Francisco. Apesar de ter sido Bento XVI a criá-lo cardeal, em 2010, foi já Francisco que o nomeou para guardião da liturgia. É um dos pensadores mais seguros do nosso tempo e tem mostrado uma fidelidade sem medida à Igreja e a Deus. É neste contexto que devemos ler todos os acontecimentos que se seguiram.

Desde há muito que Bento XVI está a escrever o texto sobre o celibato eclesiástico e, preocupado com este tema, o cardeal Sarah lança-se a fazer uma edição que ajude os cristãos e os bispos a refletirem. O texto não aparece do nada e não é uma manipulação do cardeal guineense. Para quem tem dúvidas, pode ver as publicações da correspondência que Sarah tinha na sua posse e que foi trocada, entre 5 de setembro e 24 de novembro, com o papa emérito Bento XVI.

Não sejamos ingénuos! Bento XVI sabia perfeitamente que o texto iria entrar numa altura importantíssima para a vida da Igreja Católica. Sabem quando decorreu o Sínodo para a Amazónia em que se falou da possibilidade de se ordenarem padres alguns homens casados? O Sínodo ocorreu entre 6 e 27 de outubro, mas muito antes tinha já saído o documento-guia dos trabalhos – Instrumentum Laboris – que já abordava a questão do celibato dos padres para ser debatida no sínodo.

Dizer que houve uma manipulação por parte do cardeal Sarah do texto de Bento XVI e que o Papa Emérito não tinha conhecimento do que se estava a passar do ponto de vista editorial é, no mínimo, pueril. Bento XVI está a lançar um texto e não sabe o seu impacto neste momento concreto da Igreja? Se pensarmos bem, já em fevereiro, dias antes da cimeira do Papa Francisco com os Presidentes das Conferências Episcopais de todo o mundo sobre a pedofilia na Igreja, o próprio Papa Emérito tinha feito vazar um documento expressando a sua opinião sobre o assunto.

Na realidade, não é novidade que Bento XVI defenda o celibato eclesiástico. Mas o que será novidade para muitos é que, muito antes do Sínodo da Amazónia, há mais de dez anos, Bento XVI tinha permitido na Igreja Católica a ordenação de homens casados, através do documento ‘Anglicanorum coetibus’.

Então, mas o que é que aconteceu? Bento XVI não quis avançar com o texto expressando a sua posição sobre o celibato dos padres? A resposta é: Não! Apenas pediu para tirar a sua assinatura da capa, da introdução e da conclusão, porque não tinham sido aprovadas por si. Parece uma anedota, mas é verdade. Ninguém, até ao momento sabe o que diz o texto de Bento XVI, mas apenas que o Papa Emérito não quis a sua fotografia e a sua assinatura na capa. Aliás, a capa é a coisa mais importante num livro…