Vira o disco e toca o mesmo?

O ‘teatro de sombras’ em que se tornou a discussão orçamental nos últimos anos e se está a repetir não justifica muito optimismo

Num recente artigo de opinião, o euro deputado José Manuel Fernandes do PPE, procurou explicar o que vai ser, como funcionará, a quem aproveitará e como será financiada a futura política de transição energética (ou justa) apresentada, recentemente, em linhas gerais, pela atual presidente da Comissão Europeia.

Está em causa a criação de um Mecanismo de Transição Justa, dotado com 100 milhões de euros para o período de 2021/2027 que, apesar do seu enorme volume, é apenas uma parte dos recursos financeiros (um bilião de euros) que a UE, por iniciativa da Comissão, pretende que sejam investidos, até 2030, em projetos associados ao objetivo conhecido como Pacto Ecológico Europeu (Green Deal).

Esta nova estratégia da Comissão e da UE como um todo, corresponde a um novo paradigma para o desenvolvimento que vai mexer com práticas, comportamentos, hábitos, complementaridades, transparência e escrutínio permanente por parte dos estados membros, o que, francamente, está ainda longe de se encontrar adquirido e assumido por todos.
O deputado do PE, que citei, apesar de toda a sua competência e, sobretudo, experiência, em matérias orçamentais de âmbito europeu, não dá (nem poderia dar para já)respostas definitivas para todas as questões que ainda se encontram em debate. Mas há algo que afirma, com muita propriedade e, sobretudo, muita oportunidade que pode bem ser considerado o essencial da sua análise: para o futuro «não basta ter um bom envelope financeiro; é necessário utilizá-lo bem».

Com efeito, o debate político em Portugal, nos períodos que antecedem a discussão e aprovação dos diversos Quadros Financeiros Plurianuais, que delimitam e condicionam a política orçamental da UE, desenvolve-se à volta de supostas ‘vitórias’ e ‘derrotas’ do Governo de serviço, associadas ao volume de fundos que, em cada caso, é atribuído ao nosso país.

Uma análise mais desprendida e rigorosa revelaria que, ao longo do tempo e em termos reais, o pacote financeiro para cada estado membro é, praticamente, invariante e as ‘vitórias’ e ‘derrotas’, se existem, prendem-se apenas com a forma como os recursos são usados localmente e o estímulo e os efeitos, mais ou menos positivos, que induzem na estrutura produtiva e no tecido económico e social de cada estado beneficiário.

Perante este enorme desafio seria de esperar que a estratégia política do governo, para a atual legislatura, fosse formulada numa base reformista e suficientemente indutora da necessária mudança das características que tem constituído as debilidades da economia portuguesa nos últimos anos.

O Orçamento que irá ser aprovado é, segundo palavras do próprio primeiro-ministro, um orçamento de continuidade, ou seja um orçamento conformado à obtenção de um equilíbrio das contas públicas e a um crescimento económico anémico, à boleia da conjuntura internacional e da ajuda da política monetária do Banco Central Europeu.

A carga fiscal cresce todos os anos, mas mais do que o crescimento deste indicador, pois é sempre possível reescrever (torturar) os números segundo a conveniência de cada um, é preocupante o crescente sufoco, para as empresas e particulares (em especial para os cidadãos da classe média) perante uma situação fiscal que começa a tornar-se insuportável.

Porque o equilíbrio tem sido conseguido, essencialmente, com a ajuda da política monetária (diminuição brutal dos juros da dívida) e através de uma verdadeira ‘contabilidade criativa’ que alterou a estrutura dos impostos, cativou dotações e abandonou parcialmente o investimento público, a ‘pressão fiscal’ (conceito bem mais relevante que a ‘carga fiscal’) começa a ser demolidora, e a sua evolução negativa não antecipa boas perspetivas para o desafio europeu que o Mecanismo Para Uma Transição Justa apresenta.

É preciso pensar que a alocação futura dos fundos europeus se fará, em boa medida de forma transversal e concorrencial (seguramente com um acréscimo da participação nacional para cada projeto), diminuindo progressivamente, como é óbvio, a ‘garantia’ dos pacotes fixos e intocáveis.

Esta perceção de mudança foi também antecipada recentemente pelas declarações de Elisa Ferreira (comissária portuguesa responsável pela gestão de muitas destas verbas) quando afirmou: «Estamos a chegar a um momento em que as decisões de estratégia global são inevitáveis na agenda europeia e temos de dar esse salto».

São pois estes os verdadeiros desafios que colocam à sociedade portuguesa e aos agentes políticos. Seremos capazes de os afrontar e resolver?

O ‘teatro de sombras’ em que se tornou a discussão orçamental nos últimos anos e se está a repetir, com grande taticismo, com a proposta orçamental atualmente em análise, não justifica muito otimismo.

Até parece que o ‘importante’ é ganhar a aguentar o curto prazo, sem cuidar demasiado do futuro, talvez porque, como escrevia Keynes, a longo prazo estamos todos mortos. Se assim for, teremos, de novo, mais do mesmo e perderemos uma excelente oportunidade… a caminho da próxima crise.