Costa tem medo de quê?

Percebeu-se logo que o primeiro-ministro não ficara muito confortável com a ideia de prestar declarações. E chamou em seu auxílio o Conselho de Estado.

A novela em torno da ida ou não ida de António Costa ao tribunal de instrução depor sobre o caso de Tancos é difícil de entender.

Como os meus leitores sabem, sempre achei que a história do roubo em Tancos está muito mal contada. Ainda ninguém percebeu por que carga de água os ladrões resolveram devolver as armas…

A meu ver, as armas encontradas não são as que foram roubadas.

Perante o escândalo público provocado pelo roubo, que de dia para dia ganhava maior dimensão, as autoridades militares postas em causa, com ou sem a cumplicidade do ministro da Defesa e do próprio primeiro-ministro, simularam um ‘achamento’ indo buscar armas a outro paiol e colocando-as no local onde foram encontradas – indicado, aliás, por um telefonema anónimo, para não dar trabalho nenhum a investigar. Assim se percebe, por exemplo, o facto de ter aparecido uma caixa de munições a mais…

As coisas assim fazem sentido. Inversamente, a história que foi contada não faz sentido nenhum.

O ministro da Defesa, Azeredo Lopes, acabou por ser a vítima política do caso, e arrolou em sua defesa o primeiro-ministro, António Costa. Ora, era natural que este se predispusesse de imediato a prestar declarações ao juiz, até para proteger a honra do seu ex-governante, cuja inocência sempre afirmou.

Mas não foi isso o que aconteceu. Percebeu-se logo que Costa não ficara muito confortável com a ideia de prestar declarações. E chamou em seu auxílio o Conselho de Estado, que o autorizou a depor por escrito.

Ora, não se percebe por que razão o Conselho de Estado tem de se pronunciar sobre assuntos destes. Não se trata porventura de um órgão de consulta do Presidente da República? A propósito de quê se mete em questões que nada têm que ver com o Presidente? Ainda se Costa fosse falar de algum assunto relacionado com o chefe do Estado ou a própria Presidência, compreendia-se a intervenção do Conselho. Mas não era de todo o caso.

É preciso dizer que, num assunto com a delicadeza deste, um depoimento por escrito não vale nada. O depoente diz o que quer, não responde ao que não quer, pode confrontar o depoimento com as declarações que fez anteriormente para não cair em contradição, pode dá-lo a ler aos assessores jurídicos para verem se tudo está politicamente correto.

Um depoimento feito presencialmente, em que o juiz pode fazer perguntas porventura inesperadas, em que pode insistir sobre pontos mais obscuros, em que o depoente pode esquecer-se do que disse antes e contradizer-se, torna-se infinitamente mais arriscado do que um depoimento feito por escrito. É disso que António Costa tem medo?

Quem insiste em fazer um depoimento por escrito é porque não está à vontade para o fazer de viva voz. E isso traz outra vez à tona as dúvidas sobre o caso de Tancos. O que poderia revelar António Costa, que ‘inconveniências’ poderia dizer ao juiz que levantassem novas suspeitas?

Percebendo a incomodidade do primeiro-ministro, o advogado de Azeredo Lopes veio a público dizer que prescindia da testemunha. Mas porquê? Se de início o depoimento de Costa era importante para o seu ex-ministro da Defesa, por que deixou de o ser? Será que António Costa o pressionou nesse sentido?

Uma nota, para finalizar: com o seu comportamento esquivo, o primeiro-ministro atirou todo o ónus deste caso para cima do juiz Carlos Alexandre. Se António Costa se tivesse disponibilizado imediatamente para ir depor, o juiz não teria de insistir. Perante a sua tentativa de escusa, Carlos Alexandre pode ver-se obrigado a convocá-lo ‘à força’, a convocá-lo contra vontade, criando uma situação desagradável.

Ora, sabendo-se que os socialistas têm contas a ajustar com este juiz – que mandou José Sócrates para a prisão –, era de elementar bom senso que António Costa agisse de modo a não o colocar entre a espada e a parede. Não foi isso, porém, que aconteceu. Porquê?