O testemunho de um português em Wuhan. “É uma cidade de 11 milhões e durante a tarde não se via ninguém na rua”

Miguel Matos é treinador de guarda-redes no Hubei Chufeng Heli, clube de Wuhan, e relatou ao i o ambiente que se vive na cidade no epicentro do surto de pneumonia, onde esta quinta-feira foi decretada quarentena. Tinha viagem marcada para as Filipinas mas já não pode sair.

Estão há ano e meio em Wuhan e são dos poucos portugueses na cidade. Miguel Matos é um dos quatro portugueses que integram a equipa técnica do Hubei Chufen Heli, clube da liga profissional em Wuhan, a cidade chinesa no epicentro do surto do novo coronavírus que está a fazer soar o alerta a nível mundial e onde estão agora confirmados mais de 500 casos de pneumonia. Ao i, o português natural de Braga relatou o ambiente vivido esta quinta-feira na capital da província de Hubei, dia em que foi decretada quarentena em Wuhan e foram proibidas todas as entradas e saídas. Confessa que foram apanhados de surpresa. Depois de um estágio de 40 dias no sul da China, regressaram a Wuhan na quarta-feira à noite e tinham hoje um voo marcado para as Filipinas, para umas férias de alguns dias a coincidir com o final da época de preparação, numa altura em que o país celebra o Ano Novo Chinês.

“Pensámos que iríamos ter de ser verificados para sair mas encerrar a cidade é algo que nunca na minha vida imaginava”, confessa. Com uma diferença horária de oito horas em relação a Portugal, era meia-noite em Wuhan quando conversámos por Whatsapp. Depois dos planos para a viagem serem cancelados, Miguel explica que o pensamento foi irem abastecer a despensa para os próximos dias já que depois de mais de um mês fora não tinham nada em casa. Nos supermercados o ambiente era “caótico”, relata, e a certa altura as lojas acabaram mesmo por fechar. “Conseguimos comprar alguma carne, massas e enlatados mas na parte dos legumes já estava tudo esgotado.”

O treinador de guarda redes de 43 anos admite alguma apreensão, para já sem alarmismos. “As pessoas estão assustadas, não vimos ninguém sem máscara. Isto é uma cidade de 11 milhões de habitantes e da parte da tarde não se via ninguém na rua, impressiona.” As instruções são para ficar em casa e é o que vão fazer nos próximos dias, diz. Ontem no regresso do sul do país também já usaram máscara no avião e admite que se tivessem sabido mais cedo teriam equacionado não voltar a Wuhan. "A maioria da comitiva queria vir passar o Ano Novo Chinês com a família, é como se fosse o Natal".

As autoridades chinesas estão a comunicar com a população através de mensagens e durante tarde Miguel recebeu no telemóvel o alerta de que entre as 17h e as 21h ninguém deveria sair de casa, dado que iria ser feito o transporte de doentes de um hospital para outro. “A nossa perceção é de que está a ser feito tudo para controlar a situação. Até se diz que estão a construir um hospital de raiz numa zona aqui a 15 quilómetros, sem casas à volta, só para estes doentes e que daqui a três quatro dias está pronto.” Mesmo não estando há muito tempo na China, não duvida. “Têm essa capacidade, fazem um viaduto de dez quilómetros num fim de semana se for preciso.”

A preocupação das últimas horas levou a que a comunidade portuguesa estabelecesse contactos e sabem agora que serão 17 na cidade. "Até aqui pensávamos que éramos só nós, nunca nos cruzámos com outros portugueses". Estão todos bem e pessoalmente Miguel Matos não conhece ninguém que tenha adoecido, isto numa altura em que é ainda incerto qual foi a origem do surto. A equipa técnica do Hubei Chufeng Heli vive a quatro quilómetros do mercado encerrado a 1 de janeiro pelas autoridades chinesas, por suspeita de que terão sido ali os primeiros contágios a partir do contacto com animais infectados. Miguel admite que nunca lá foi, mas explica que por toda a cidade existem muitos mercados idênticos onde são vendidos animais vivos que fazem parte da alimentação chinesa, como ratos, morcegos e cobras. “É uma cultura diferente e gosto muito de trabalhar aqui, mas agora estamos um pouco assustados”, diz.