O cancro da corrupção na economia e sociedade

É triste verificar que os nossos reguladores andam quase sempre atrás do jornalismo de investigação em casos que seriam facilmente detetáveis pelas ferramentas de supervisão existentes.

A bomba dos Luanda Leaks vem por a nu o que qualquer pessoa dotada do mínimo de inteligência já conseguia deduzir em termos de enriquecimento ilícito. O cancro da corrupção tem na concentração de poder no estado central a sua incubadora de eleição, metastizando com facilidade em locais sem os anticorpos institucionais da separação e divisão de poder. Este mal infeta a economia, aumentando desigualdades por via do desperdício de recursos e assim limitando crescimento e oportunidades. Este exemplo concreto é tão mais chocante porque o país a saque é um país rico em recursos que mantém a sua população cronicamente na miséria. Portugal – que num passado não distante também viu os seus cofres sob ataque cleptocrático – sai muito mal deste exame por ter sido facilitador no roubo ao povo angolano e por demonstrar uma vez mais que as suas instituições e reguladores estão em autêntica morte cerebral.

Num dos seus últimos estudos sobre a matéria, o FMI estima o custo de subornos entre 1,5 e 2 Tri de dólares, cerca de 2% do PIB global. Porém os custos económicos e sociais da corrupção serão certamente um múltiplo desse montante visto o suborno ser apenas uma mera componente. Este é um problema abrangente que mina um aspeto crucial para qualquer economia: a confiança no sistema. Daí ser peculiar o incómodo do governo português à inclusão de referências a corrupção num relatório recente da OCDE.

É triste verificar que os nossos reguladores andam quase sempre atrás do jornalismo de investigação em casos que seriam facilmente detetáveis pelas ferramentas de supervisão existentes. Os protagonistas vão dando mostras de incompetência mas continuam no carrossel de cargos de alta relevância. Teixeira dos Santos, que nas funções de ministro das Finanças de Sócrates não detetou uma bancarrota do estado, parece não ter estranhado que a conta da Sonangol – no banco em que é CEO – fosse esvaziada em cerca de 58 Mio nas 24h seguintes à exoneração de Isabel dos Santos da petrolífera. Partilha assim sérias responsabilidades com o Banco de Portugal, que para além de mais uma vez andar a reboque da opinião pública para julgar a idoneidade de quem controla os bancos nacionais, também teria acesso ao reporte automático deste frenesim de transferências bancárias.

O cocktail de instituições capturadas e sociedades de advogados parasitárias está a corroer a economia liberal por dentro, levando à compreensível fúria da sociedade que ironicamente se vira para opções autoritárias que procuram concentrar ainda mais poder no estado central. Perante estes vários agentes infecciosos, e num contexto de economia global complexa, a justiça não tem ferramentas suficientes para conseguir impedir que o cancro alastre. Os recursos públicos são escassos e uma carga fiscal em máximos não permite margem de manobra. Daí que a meu ver não será possível aumentar significativamente a dotação de recursos à Justiça, pelo que a deveríamos armar com mais ferramentas como a inversão do ónus da prova em casos de enriquecimento ilícito, como já é praticado no reputado sistema judicial inglês. Até lá teremos que continuar a viver das esmolas do jornalismo de investigação, curiosamente um setor profissional muito atacado por populistas que se afirmam ‘anticorrupção’.

 

Gestor de fundo de investimento macro