Jaime Nogueira Pinto: ‘A Direita desapareceu com o 25 de Abril’

Jaime Nogueira Pinto admite que rejeitou convite para ser candidato a Belém. Elogia Marcelo e acha que Costa e Rio são ‘muito parecidos’.

Os partidos tradicionais de Direita estão a viver um período difícil em Portugal com fracos resultados eleitorais. Existe uma crise na Direita portuguesa?
A Direita, nacionalista em política, conservadora em valores e defensora da economia social de mercado, governou em Portugal autoritariamente durante quase meio século e, depois com o 25 de Abril, desapareceu e deu lugar à Esquerda. Desapareceu ou não se reorganizou de forma partidária, até porque foi cautelosamente afastada quer através do 28 de setembro, quer através do 11 de março. O registo fundacional do regime, que é o Pacto MFA/Partidos, baniu as ideias de Direita e os partidos que quiseram sobreviver tiveram de se submeter a isso. Os partidos que tentaram reconstituir a Direita, como o Partido do Progresso, foram proibidos. Os seus dirigentes foram presos ou tiveram de ir para o exílio.

Isso empobreceu o regime ao longo destes 45 anos?
O regime foi dominado por dois partidos que são parecidos. O PS e o PSD não têm grandes diferenças e agora ainda vão ter menos. Tiveram algumas diferenças na primeira AD (1979) e no início do cavaquismo. Mas a primeira AD e o início do cavaquismo são reações anti-Esquerda. Não são definidas pela positiva. O cavaquismo teve o cuidado de afastar a retórica de Esquerda. Mas de resto o PSD e o Partido Socialista, nos princípios essenciais, estão muito próximos. A questão da Europa, a questão de um certo capitalismo controlado…

Não existem diferenças ideológicas?
O PS foi sempre um partido social-democrata. Normalmente não há grandes divergências entre os dois partidos, mas entre os eleitores elas existem. Estes partidos estão muito próximos e isso, que não se notava muito há 20 anos, porque a Europa era governada por esse centrão, conservador ou democrata cristão, à direita, socialista ou social-democrata, à esquerda. Agora nota-se. Hoje, na política europeia, há duas coisas que aconteceram: a fragmentação partidária e a volatilidade dos eleitorados. Na Alemanha, por exemplo, durante muitos anos, mesmo já depois da reunificação, existiam dois partidos que tinham juntos cerca de 80% mas isso acabou. Esses dois partidos, hoje, quase nem chegam aos 50% e isso é um fenómeno que se dá na Europa toda. Em Espanha havia também dois partidos que alternavam – o Partido Socialista e o Partido Popular – e hoje em dia há cinco ou seis, mesmo excluindo os partidos regionais.

O que mudou para que aparecessem novas realidades e os partidos tradicionais perdessem o apoio do eleitorado?

Voltou a haver política e houve o fracasso da globalização. O fracasso no sentido social, ou seja, a globalização teve consequências negativas, embora tenha tido consequências positivas para certos países, nomeadamente para a China e para outros países asiáticos que conseguiram criar classes médias…

Mas na Europa teve consequências negativas para a classe média…
Na Europa e nos Estados Unidos. As grandes vítimas da globalização são as classes trabalhadoras da Europa e dos Estados Unidos e agora chegou o tempo da classe média. O fenómeno Trump tem muito a ver com isso. Tem a ver com uma desindustrialização de áreas muito importantes dos Estados Unidos e com um alargamento gigantesco do leque salarial. O leque salarial nas empresas industriais e nos bancos aumentou: há 50 ou 60 anos o salário máximo era 50 ou 60 vezes superior ao mínimo e hoje em dia pode ser 400 ou 500 vezes superior. De certo modo há uma proletarização das baixas classes médias. Em França é talvez o fenómeno mais interessante porque houve uma passagem praticamente direta de eleitores do Partido Comunista para a Frente Nacional.

A que se deve o sucesso de fenómenos como Trump ou Marine Le Pen? Conseguem chegar mais às pessoas com um tipo de linguagem mais simples?
Há uma série de grupos sociais que não encontram respostas nessa unicidade ideológica que na Europa é representada à direita pelos conservadores e pelas democracias cristãs e à esquerda por socialistas e sociais-democratas. O tal centrão à direita e à esquerda. E, portanto, há novas questões, há questões puramente políticas relacionadas com a soberania nacional. As pessoas percebem que, apesar de tudo, a fronteira as defende. E a ideia ultraliberal de que há uma mão invisível que regula perfeitamente a economia acabou contestada à Esquerda e à Direita e surgiram novas forças. Surgiram novas forças porque havia problemas que as forças existentes não resolveram e de que não se quiseram ocupar.

E estes novos partidos terão alguma capacidade para resolver esses problemas ou só têm capacidade para os denunciar com alguma eficácia?
Vamos ver. Têm, pelo menos, o mesmo direito que os outros de os tentar resolver. Acho que o mercado tem de ser regulado. Nós vimos a desindustrialização nos Estados Unidos. Trump acaba por vencer nos estados que são vítimas da desindustrialização. Eram estados onde desde 84, desde a segunda vitória de Reagan, um republicano não ganhava uma eleição. E Trump ganhou. Por margens pequenas, mas ganhou porque respondeu ao descontentamento que existia com uma linguagem relativamente simples, que é intencionalmente simples, e de protesto.

O segredo é a simplificação do discurso?
E o apelo a valores como o patriotismo e o repúdio da correção política. A base do populismo é muito simples: é uma teoria que considera que há umas elites que são más e há o povo que é bom e que não é necessariamente antidemocrática. Ao contrário, o fascismo, embora popular, era teoricamente antidemocrático. O fascismo, como o bolchevismo ou o marxismo-leninismo, defendiam vanguardas esclarecidas que guiavam o povo para o bem do povo. O populismo não. O populismo defende que o povo está a ser enganado pelas elites e, portanto, são os líderes populistas que o esclarecem e representam os seus verdadeiros interesses. Não sei se representam ou não, mas de certo modo os outros não representam e os eleitores querem experimentar.

Por que é que em Portugal não sofremos disso?
Sofremos de muitas outras coisas mas não sofremos disso, se é que isso é sofrer, porque não temos em Portugal a maior parte dos problemas que outros países têm. Temos em Portugal uma coisa que é praticamente única que é sermos uma Nação muita antiga e unida. Qualquer dia também damos cabo dela, mas aqueles problemas que afligem a Espanha, por exemplo, e que deram lugar com grande força ao nascimento do Vox não nos afetam.

Tem receio que a regionalização venha criar novos problemas?
Sou contra a regionalização. Nós temos coisas ótimas por sermos unidos: somos um país bastante seguro. Não temos problemas de fratura religiosa ou étnica. Não temos esses fenómenos e temos uma Nação muito antiga. Mas fomos dando cabo de outras coisas. Não temos um banco português no sentido do accionariado, senão a CGD, que é do Estado. Não temos um grupo industrial com dimensão. Os únicos grupos com uma certa dimensão estão ligados à distribuição. A questão da identidade nacional voltou a ser uma questão forte e nós temos uma identidade nacional muito forte. É um trunfo. Não devíamos nem ir para regionalizações, nem alinhar com federalismos. É um disparate. Só faz sentido a regionalização quando é para ficar unida uma coisa que de outra maneira se separaria. Os italianos fizeram isso, os alemães fizeram de facto a república federal. Nós temos uma unidade muito antiga e não faz sentido nenhum andarmos a brincar às regionalizações.

Os defensores da regionalização argumentam que as regiões permitiram atenuar as desigualdades…
É para multiplicarem a classe política. Havia um amigo meu que dizia que a luta de classes ia acabar por ser a classe política contra o resto. A classe política procura reforçar-se e multiplicar-se. Enquanto se falar em descentralização administrativa, está bem, isso é uma coisa. Agora, regionalização no sentido de redistribuição de poderes políticos já com características quase soberanas, isso acho um disparate e uma inutilidade.

Voltando à Direita ou ao centro direita…
Sim, centro-direita. É tudo o que não é nem o PS nem o PCP. Digamos que é o que está à direita do Partido Socialista.

O CDS, por exemplo, quase desapareceu nas últimas eleições legislativas. Passou de 18 para 5 deputados. Isto é recuperável?
Não sei, vai depender do novo líder e da revisão ideológica. Apareceu um partido que, dentro das suas características, não só se aproxima como não rejeita algumas identidades com esse movimento de novas direitas que surgiu em países da Europa, como a Hungria, a Polónia, a Itália, a França, a Espanha…

Estamos a falar do Chega de André Ventura…
Sim. Com o aparecimento do Chega os eleitores de Direita ou zangados com o sistema podem ter pela primeira vez alternativas que não seja ficar em casa ou votar nos partidos do costume. Claro que isto vai depender de como esse novo partido se mexer e como souber lidar com os problemas. A partir de uma certa altura também não pode ser meramente um partido de protesto, tem de ter uma linha de construção. Mas isso é um fator interessante e importante.

Fala-se muito no Chega, mas só tem um deputado. Tem potencial de crescimento?
Penso que sim, mas tem de arranjar quadros para enquadrar os descontentes e os aderentes. O problema destes partidos é que podem ter uma vaga grande de adesão, mas a indignação em que se baseiam se não for transformada politicamente também não serve para nada. André Ventura tem de construir o partido. Precisa de ter uma estrutura.

No caso do PSD venceu o candidato que não quer que o partido seja de Direita.
O que me faz uma certa confusão nestes partidos é que eles não falam de política, falam de políticas. Falar de política é dizer o que queremos sobre a Europa, se queremos integrar-nos na Europa, se queremos ter uma linha mais soberanista ou menos soberanista. O que pensamos, por exemplo, sobre as questões de costumes. O que se pensa sobre a eutanásia, o aborto ou quanto ao casamento de pessoas do mesmo sexo. Em relação à economia devemos discutir se deve ser mais solidária ou mais liberal. Eu não vejo nada disso… Ou melhor, acho que aí todos pensam mais ou menos o mesmo. E como está assumido que pensam todos mais ou menos o mesmo…

Acabam por só discutir as questões menores?
Exatamente. Não costumo ouvir debates políticos porque acho que não se ganha muito.

Não tem paciência?
Prefiro ver um bom filme do que estar a ver um debate onde já sei que as pessoas não vão discutir as coisas de fundo, porque aí estão todos mais ou menos de acordo.

E há diferenças entre Rui Rio e António Costa?
Há diferenças de personalidade, não de ideologia. Quando Rui Rio foi feito líder do PSD disse que era de centro-esquerda e eu comentei na altura que de centro-esquerda é o António Costa. Qual é a diferença? Ideologicamente não vejo nenhuma diferença. Às vezes discute-se se o IVA deve estar um ponto acima ou um ponto abaixo… O problema é que na Europa, nos Estados Unidos tudo se politizou, para bem ou para mal. E aqui não há política nesse sentido. É curioso que o Bloco de Esquerda podia ter trazido essa política, mas o Bloco de certo modo foi metido no bolso pelo PS.

E o PCP também se rendeu a esta nova solução política ou é diferente?
Eu tinha um debate [o programa Radicais Livres na Antena 1] com o Rúben de Carvalho de quem fiquei amigo. E muitas vezes dizia-lhe que uma das razões por que não havia nenhum partido nacionalista e popular em Portugal era porque o PCP cativava parte do seu eleitorado. O PCP, por exemplo, votou contra a eutanásia. Não é propriamente um comportamento da linha desse progressismo e desse esquerdismo mais na moda. Os autarcas do Partido Comunista defendem as touradas. Não é um partido que tenha essas ruturas culturais em que a nova Esquerda das micro-causas anda empenhada.

Foi desafiado para se candidatar à Presidência República. Por que não aceitou candidatar-se?
Sim. Falou-se e falaram-me nisso. Alguns amigos acharam que eu era uma pessoa que seria capaz de representar a Direita, e um dirigente político falou-me no mesmo sentido, mas… 

Não se está a imaginar a fazer uma campanha política?
Sabe que o Balzac, que era um legitimista e por isso um homem da verdadeira extrema-direita, candidatou-se a deputado duas ou três vezes, mas perdeu sempre. E ele dizia que os eleitores tiveram o bom senso de não o eleger. Mas voltando a Portugal, acho que valia a pena contar a Direita. Esta Direita de que estou a falar. 

Nunca teve essa tentação de entrar na política?
Na política partidária, não. É engraçado que a Zezinha [Maria José Nogueira Pinto], a minha mulher, era muito menos política do que eu quando nós nos conhecemos e depois acabou por entrar na política. Mas ela tinha mais jeito para isso porque era uma pessoa com grande capacidade de construir equipas. Eu, por exemplo, se ponho uma pessoa a fazer uma coisa e ela não faz, faço-a eu. Não tenho muita paciência. E também não teria paciência para campanhas políticas. Não gosto da retórica, de dizer às pessoas as coisas simpáticas que elas gostam de ouvir.

Nunca pensou, por exemplo, em ser deputado?
Ainda menos. Passar um dia inteiro sentado no hemiciclo… O que acho é que todos temos de dar um contributo cívico e eu fiz um livro sobre a I República, fiz dois livros sobre o Estado Novo, fiz um livro das minhas memórias de África… Procurei fazer uma construção alternativa da História do século XX que não fosse a História contada pela Esquerda. Não quer dizer que a História contada pela Esquerda seja toda mentiras e falsidades, mas quis apresentar uma outra visão das coisas.

Quais são as falsidades contadas pela Esquerda?
Imensas. Por exemplo, a Esquerda fala do Estado Novo como se fosse uma ditadura de tipo nazi. Dizem coisas extraordinárias. Criaram a ideia de que as pessoas viviam com medo. Ora ninguém maçava as pessoas que não se ocupavam de política. Não estou a dizer que não tinha coisas desagradáveis e tenho muito respeito por aqueles que se bateram por outras convicções opostas às minhas. O que acho é que uma boa parte das pessoas não se opuseram a coisa nenhuma e agora muitos fazem-se de mártires antifascistas. Nunca foram mártires de coisa nenhuma. De repente todos descobriram que eram antifascistas, mas muitos a única coisa que tinham para dizer é que tinham votado no general Humberto Delgado ou conspirado nos cafés.

Mas ainda sobre as presidenciais o que acha da forma como este Presidente da República tem exercido o cargo?
Sou amigo dele, por isso sou suspeito. Acho que um Presidente deve fazer muitas das coisas que ele faz. Politicamente não temos as mesmas ideias, mas acho que ele desempenha bem essa função de Presidente, de árbitro. Um árbitro tranquilo, às vezes demasiado tranquilo na sua frenética atividade, mas tem um sentido popular e é genuíno na sua ligação às pessoas comuns.

Devia ser mais atento e mais exigente?
Não sei. Algumas pessoas que estão no PSD e no CDS e alguns conservadores criticam-no porque acham que ele é muito tolerante com o atual Governo. Não sei se é, a mim não me preocupa muito, porque também não me identifico com essas pessoas nem com as suas preocupações.

‘Salazar não dava confiança aos homens do dinheiro’

Jaime Nogueira Pinto garante que ‘não se importa nada’ de ter ficado conotado com o ditador por causa do concurso da RTP. 

 

Defendeu Salazar num programa da RTP para escolher o maior português de sempre. Acha que ficou conotado com Salazar?
Não me importo nada de ter ficado. No tempo de Salazar não era pelo Salazar. Nós aliás chamávamos ao Salazar ‘o botas’. Acho que Salazar tinha três qualidades que são muito importantes e foi por isso que ele teve, enquanto teve, bastante apoio do país. Salazar era um patriota. Não era um homem de grandes preocupações ideológicas, mas tinha preocupações políticas e doutrinárias e era um patriota. Ele queria o bem de Portugal como ele o entendia. Admito que haja patriotas que não entendam o bem de Portugal como Salazar o entendia, mas era o bem de Portugal que o preocupava. Depois era um homem que tinha um desprezo absoluto pelo dinheiro e não se impressionava com os que o tinham, nem os invejava. Não ligava nada ao dinheiro e era muito rigoroso com os dinheiros públicos e nesse aspeto não só não era corrupto como reprimia a corrupção. E tomava decisões. Bem ou mal decidia. Decidia depressa. São coisas que hoje em dia a gente não vê muito.

Os políticos cederam demasiado ao poder económico?
A classe política tornou-se muito reverente perante o dinheiro. Lá está. Era uma coisa que não acontecia com o Salazar. Ele não dava confiança nenhuma aos homens do dinheiro. Dava-se com alguns, recebia-os quando fazia sentido, mas não lhes dava confiança nenhuma. Ia lá tudo muito direitinho.

 

Como enquadra a PIDE e a repressão nesses elogios que faz a Salazar?
Os regimes autoritários têm um lado negro ou menos claro. Claro que têm. Como, com diferenças significativas, também o têm os regimes democráticos. Morreram 64 presos políticos nos 40 anos do Estado Novo. E também é preciso ver contra o que é que se estava. Com certeza que a ditadura e a repressão não são coisas louváveis, mas o regime apareceu como alternativa ao comunismo e à desordem. Na Guerra Civil de Espanha, por exemplo, as barbaridades fizeram-se de um lado e de outro. É claro que as mais recentes foram as dos vencedores. Quanto ao tratamento dos totalitarismos, temos centenas de filmes sobre os campos de concentração alemães, mas quantos temos sobre a União Soviética, o Goulag, ou as dezenas de milhões de mortos do comunismo soviético e chinês?

Porquê?
Porque os horrores do comunismo eram em princípio para um fim que seria bom, uma utopia de igualdade e paz, uma espécie de laicização destorcida e compulsiva do Sermão da Montanha. A Esquerda conseguiu uma coisa extraordinária que foi fazer dos regimes comunistas, tal qual foram, um acidente. Criou a ideia de que Estaline, por exemplo, era um homem mau e perverteu aqueles ideais todos. Tudo aquilo apareceu como se fosse uma coisa que era boa e que foi desviada enquanto o nacional-socialismo, com o seu lado de racismo identitário, sempre foi uma coisa intrinsecamente perversa.