A lógica da criatividade

O que não se mede não se gere. A formulação da ideia remonta a 1950 e é atribuída a William Edwards Deming, um engenheiro e professor americano. No período pós-guerra a ideia era considerada revolucionária. 

Hoje não. Hoje tentamos medir todas as variáveis em todos os momentos, graças à tecnologia. É neste paradigma que reside um dos principais problemas na gestão de marketing e de outras áreas: se é possível medir, então mede-se. E será que é isso que devemos fazer? 

A tentação é grande e não é fácil entender que, perante a possibilidade de medir um determinado efeito não o façamos. Afinal, os dados estão disponíveis, como as maçãs do pomar na sua época, basta esticar o braço e já está. Com o funil de compra de um produto não é muito diferente, em todas as fases do processo são produzidos inúmeros dados oriundos de múltiplas fontes, aos quais é relativamente fácil aceder.

Ao contrário das maçãs, que passamos por água e estão prontas a comer, os dados não. Dados e informação têm uma estreita relação, mas não são sinónimos. Para que possamos usar os dados temos, além de os recolher, de ter capacidade de os processar, analisar e transformar em informação. Perante a pergunta ‘o que quer saber?’ o ímpeto comum é responder ‘tudo’. Trata-se de um ímpeto, porque qualquer gestor consciente, refletindo um pouco, conclui que há indicadores mais importantes do que outros, que o excesso de informação atrapalha mais do que ajuda e que o custo de obtenção de alguns dados não se justifica pelo potencial de mais valia que possam vir a aportar ao negócio. Não é por todas as macieiras do pomar estarem carregadas que vamos apanhar todas as maçãs.

O sentido da frase de Deming, como qualquer citação, pode ser facilmente subvertido se isolado de um contexto, ou quando focamos apenas uma parte da ideia. O autor afirma qualquer coisa como ‘o que não pode ser medido não pode ser gerido, não se mede o que não se define e não se define o que não se entende’. Ou seja, tão importante como a capacidade de medir é a de colocar as questões certas. A partir daqui procuram-se, recolhem-se e interpretam-se os dados. 

A definição do problema é a fase crucial de qualquer projeto de investigação. Quando desvalorizada corre-se o risco de todo o trabalho subsequente não ser relevante. Um sistema de avaliação de performance de marketing, mais ou menos complexo, é sempre um projeto muito semelhante a uma investigação. Usa-se um método científico para definir hipóteses, realizar observações e experiências e retirar conclusões, que eventualmente levam à construção de nova(s) hipótese (s). 

Uma vez definidos os objetivos, os principais indicadores de performance, a origem dos dados, os modelos de análise e tudo o que contribui para produzirmos melhor informação, temos mais capacidade de gestão. Mas não temos tudo. Apesar da validade de modelos preditivos, os dados são observações, informação são padrões, correlações e todo o tipo de relações entre coisas que já aconteceram ou que, na melhor das hipóteses, estão a acontecer. Com base em informação sobre o passado e o presente, procuramos prever o futuro e o nível de certeza da nossa previsão. Mas é aqui que arriscamos mais: quanto mais informação temos maior é a capacidade de antecipar acontecimentos e comportamentos, de uma forma lógica e sustentada. O que pode ser um erro crasso, na medida em que não contempla a possibilidade da lógica apesar de certa, na prática não funcionar. A conclusão lógica leva-nos para um esforço de otimização, de potenciar o que funciona melhor e corrigir ou eliminar o que não traz grandes resultados. Mas as grandes mudanças, os momentos verdadeiramente transformadores dos negócios, não são otimizações, são disrupções.  

Um dos publicitários mais conceituados e influente da atualidade, Rory Sutherland, descreve que há soluções lógicas que funcionam, mas nem tudo o que tem lógica funciona. Da mesma forma que nem tudo o que funciona tem lógica. E isto torna a gestão de um negócio de comunicação particularmente desafiante, na medida em que exige conjugar a sensibilidade e confiança para arriscar em qualquer coisa que não tem lógica, mas também saber recuar mesmo quando uma coisa faz todo o sentido. 

Se não fosse a capacidade de algumas pessoas tomarem estas decisões, provavelmente ainda ninguém tinha iPhone. Quando foi lançado, não tinha lógica nenhuma.