Londres e Bruxelas preparam-se para uma negociação dura

A UE exige condições de concorrência e padrões de qualidade iguais como base de qualquer acordo. “Não está em cima da mesa”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico.

Com a saída do Reino Unido da União Europeia formalizada, Londres e Bruxelas preparam-se para as duras negociações quanto à sua futura relação. Começou a contagem decrescente até ao fim dos 11 meses de período de transição, durante o qual tudo se manterá mais ou menos na mesma. Entretanto, em entrevista à BBC, o ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, Dominic Raab, prometeu que o Reino Unido vai negociar “num espírito de boa vontade”, mas já deixou claro que alinhar com as regras comerciais de UE – como exigido por esta – “não está em cima da mesa”.

“No que toca a negociações, marcar linhas vermelhas de forma tão rígida torna chegar a um acordo mais difícil”, avisou no mesmo canal, minutos depois, o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar. Londres quer um acordo de livre comércio semelhante ao do Canadá com a UE, com zero tarifas e quotas na maioria dos produtos. Contudo, “o Canadá não é o Reino Unido”, lembrou Varadkar. “Partilhamos mares e espaço aéreo, e as nossas economias estão muito integradas”, explicou o primeiro-ministro irlandês.

À semelhança de muitos outros líderes europeus, Varadkar exige ao Reino Unido que futuras disputas sejam resolvidas pelos tribunais europeus e igualdade nas condições de concorrência como base de qualquer acordo – ou seja, regras comuns em áreas como o ambiente, higiene alimentar, direitos laborais ou subsídios estatais, impedindo a circulação de produtos com qualidade inferior ou que as empresas de um dos lados fiquem em desvantagem. A abordagem da UE como todo tem de ser acertada entre os agora 27 Estados-membros – algo que não deverá ocorrer antes de finais de fevereiro -, mas é esperado que a posição irlandesa tenha peso.

É que as reticências europeias não são só geográficas. Apesar de o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, recusar esse cenário, teme-se que Londres baixe os padrões acima mencionados para obter o prometido acordo comercial com Washington, cujos standards são, no geral, mais baixos que os europeus.

Já Raab defendeu que a declaração política entre o Reino Unido e a UE, que acompanhou o acordo de saída, não implica um alinhamento legal comum – algo que “frustraria o objetivo do Brexit”, garantiu. “Esperamos ser tratados da mesma maneira que países terceiros são”, declarou o ministro britânico, dando como exemplos o Japão, Coreia do Sul e o Canadá. Mas há uma condicionante importante: o acordo comercial entre Ottawa e Bruxelas demorou sete anos a ser concluído, e o Governo britânico tem 11 meses para concretizar o seu, caso pretenda evitar uma saída não negociada. 

 

Separação Enquanto líderes europeus e britânicos se preparam para o confronto que aí vem,  de ambos os lados do canal da Mancha tenta-se processar a separação. “Está a partir o meu coração”, escreveu no Guardian o autor John le Carré, conhecido pelos seus romances de espionagem. No mais recente, Agent Running in the Field, de outubro de 2019, menciona-se que o personagem principal, Nat, um agente veterano do M16, passa boa parte do seu tempo a beber com amigos, enquanto se queixam do Brexit.

Já Boris Johnson brindou ao triunfo com um Chateau Margaux vintage de 1994 – considerado um dos melhores tintos do mundo – que abriu na noite de despedida, esta sexta-feira. A garrafa foi-lhe deixada no testamento de um eurocético conservador, com instruções para não se embriagar com ela até o Reino Unido sair da UE, avançou o tablóide Daily Mail.

“Está feito e arrumado, não pode ser feito nada quanto ao assunto”, disse à AFP Kevin Cunliffe, um britânico reformado de 76 anos, no alpendre da sua casa, perto de Alicante, no sul de Espanha – lar de cerca de cinco mil outros britânicos.